Se até então você não sabia quem era Paulo Gustavo, agora, sabe. Desde ontem, o rosto dele estampa as redes sociais, mas, desta vez, não conseguimos sorrir.
Eu soube de sua morte apenas hoje, quando abri o Instagram para começar mais um dia de trabalho.
Não vou me estender muito sobre a carreira do ator. Que ele foi notório, é básico.
Quase impossível que algum brasileiro não tenha dado risada com a personagem Dona Hermínia, estrela do filme ~Minha mãe é uma peça~, baseado na peça de teatro de mesmo nome.
Onde ele chegou, nenhum outro humorista deu conta, ainda mais se vestindo de mulher.
A versatilidade dele como artista era admirável. Eu realmente estava torcendo para que ele se recuperasse. Estou sentida e ao mesmo tempo, intrigada.
Além do baque por ele não ter resistido, estranhei os questionamentos a respeito da comoção com a morte do ator, vítima daquela ~gripezinha~.
Prepara que é hoje que nós vamos refletir sobre negacionismo, luto coletivo e a importância do que tem mantido eu e milhares de pessoas vivas: a arte.
O que é luto coletivo?
Luto coletivo é quando o rompimento brusco de um vínculo acaba envolvendo muitas pessoas.
É quando o sentimento de perda atinge tanta gente, que chega a ser contagioso. Nossas emoções nos influenciam e somos também influenciadas pelas emoções dos outros.
Quando o luto coletivo se instala, perdemos muito mais do que pessoas queridas, de quem gostávamos.
O luto coletivo representa a perda do mundo como o conhecíamos e isso pode despertar gatilhos dos mais diversos tipos, acionando memórias doloridas.
A diferença entre luto e comoção
Fui pesquisar a diferença entre luto e comoção e descobri que não sentimos apenas uma coisa ou outra. Podemos sentir ambas em momentos diferentes e também podemos misturá-las.
Luto, de modo geral (há vários tipos de lutos), é o sentimento de perda. É um estado emocional que pode levar à tristeza profunda, devido ao rompimento do vínculo com algo ou alguém que amamos. Quase sempre se refere a uma pessoa muito próxima.
Comoção é quando ocorre uma mistura de emoções fortes, capazes de causar alterações no nosso corpo, desencadeando o choro, respiração curta, coração acelerado, etc. Quando ficamos muito comovidas, podemos entrar em um processo de luto. Esse processo é individual e possui um tempo diferente para cada pessoa.
Algumas sofrem mais, outras menos. Pessoas altamente sensíveis (PAS) podem, inclusive, sentir que lhes foi arrancado um pedaço, que lhes tiraram algo muito precioso, e isso independe de conhecermos intimamente a pessoa ou a situação.
É o que está havendo num Brasil que, a partir de agora, não terá mais a alegria e o talento de Paulo Gustavo.
A arte como respiro e válvula de escape
A pandemia escancarou a necessidade da arte. Você consegue imaginar como seria a sua rotina sem um bom livro, uma boa música ou mesmo suas amadas séries da Netflix?
Você consegue imaginar como seria viver engasgada com o que sentimos, sem poder despejar nossas angústias numa pintura, num texto, numa dança?
Eu não consigo.
Nós respiramos arte o tempo todo. Uma escultura pode brincar com a sua imaginação, uma obra pode te convidar para reflexão, uma voltinha por um museu virtual pode te devolver a sensação de que ainda existe coisa bonita no mundo.
Projetamos nossos valores na arte e nas pessoas que fazem dela seu sustento.
Figuras públicas importam porque constituem uma parte fundamental do nosso imaginário. Nos vemos e nos reconhecemos nelas. ⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀
(…) então, quando infelizmente morre alguém como Paulo Gustavo, morre junto um pedacinho nosso que acredita no humor, no talento, na esperança. (@infinito.etc)
É impactante perder alguém que nos despertava sentimentos familiares e que nos lembrava, muitas vezes, nossa própria mãe.
A arte dele permitiu que eu me colocasse no lugar da minha mãe. Permitiu que eu compreendesse um pouquinho do que é ser mãe, e esse tipo de coisa marca o coração da gente.⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀
~Negacionista, eu? Eu, não!~
Navegando pelos posts que citavam a morte de Paulo Gustavo no Instagram, me deparei com comentários desagradáveis, de pessoas que pareciam estar de saco cheio do assunto: ~E daí que ele morreu? Tanta gente morrendo por causa do vírus, mas vocês só falam dele!~, ~Quanto mimimi por causa desse ator~, ~Não entendo por que todo esse auê, pra mim, ele é um ser humano qualquer, tanto faz se é famoso ou não~.
Chateada, fui stalkear o perfil de algumas para tentar entender no que acreditavam e por que pareciam tão indiferentes. Observei um ponto comum entre essas pessoas: o negacionismo.
Ora com posts incentivando o uso de cloroquina, ora com fotos de festinhas em família. Tudo regado a muito deboche e patriotismo.
O que isso significa? No mínimo, que ressoam com o pensamento de que Paulo Gustavo foi só mais um. De que a cultura e a arte não são importantes. De que a luta das minorias não interessa (embora branco, Paulo Gustavo era gay, casado e pai de dois bebês lindos).
Invisibilizar a dor coletiva que sentimos, em plena pandemia, me parece típico de quem não desenvolveu empatia ou tem medo das próprias emoções ou, ainda, não acredita que a situação no Brasil é grave.
São essas pessoas que vemos andando por aí, sem máscara. São essas pessoas que exaltam o militarismo e a religião acima de tudo e de todos. São essas pessoas que questionam a ciência e, depois, tomam vacina às escondidas.
É… negacionismo mata.
Viva a sua dor: ela é legítima
Não há mal nenhum em sentir demais por alguém que você nem mesmo conhecia. Depois de todos os pontos acima, é compreensível que a morte de Paulo Gustavo tenha gerado tanta comoção.
Não é questão de menosprezar todas as outras vítimas e famílias que perderam seus entes queridos para essa doença maldita.
É questão de ser tão ligada à arte, à cultura, ao que a figura de Paulo Gustavo representava, que simplesmente não tem como NÃO SENTIR.
Quando um artista que amamos se vai, algo revira em nós.
Hoje, eu não perdi apenas ~alguém que era engraçado e se vestia de mulher~: perdi um artista que me iluminava por dentro, que me fazia rir até a barriga doer.
Perdi alguém que me devolvia esperança e um pouquinho daquela fé que a gente tanto precisa pra viver.