Ouvi falar sobre nômades digitais, pela primeira vez, em 2015. Eu tinha recém voltado a morar com meus pais, no sul do Brasil, após três anos vivendo em Portugal. Saí da terrinha de Camões com um mestrado nas costas e alguma esperança, mas a verdade é que estava perdida profissionalmente.
Além de um diploma da Universidade de Coimbra, ganhei uns transtornos mentais de brinde. Dos maiores tapas que levei, foi descobrir que o mundo acadêmico pode ser um lugar enlouquecedor.
Em território nacional, a ideia de seguir carreira como professora universitária desmoronou. Eu estava doente da alma e do coração. Sabe quando as coisas deixam de fazer sentido?
Voltei a trabalhar dando aulas de inglês, ganhando uma merreca, sentindo que havia estudado horrores para nada, vivendo automaticamente… até ser apresentada ao nomadismo digital.
Ignorando minha saúde mental: como passei a querer uma vida nômade
Jaque Barbosa e Eme Viegas, responsáveis por disseminar o conceito de nômades digitais no Brasil, pareciam falar comigo o tempo todo. Pesquisando sobre insatisfação profissional, cheguei ao blog deles. Fiquei impressionada com o que li e comecei a segui-los em todas as redes sociais.
Com o tempo, passei a conhecer e buscar mais criadores de conteúdo que também trabalhavam e viajavam. Encontrei a Debbie Corrano e o Fê Pacheco, à frente do blog Pequenos Monstros, na época. Me apaixonei por eles e pelo estilo de vida que levavam.
Aos poucos, botei na cabeça que viajar e trabalhar era possível para mim, sim! E comecei a sonhar com isso desesperadamente.
Tudo muito maravilhoso e empolgante: eu passava horas planejando, rascunhando, pesquisando hospedagem, criando roteiros. Só tinha um detalhe: eu não queria saber como esse estilo de vida podia impactar minha saúde, eu só queria ~ir lá e fazer acontecer~.
Desconhecia o traço da bipolaridade aliado à depressão, que é meu diagnóstico atual. Aliás, eu nem ao menos cogitava ter depressão nível grave. Para mim, depressão era algo que eu experimentara na adolescência e pronto, não me atormentava mais. Achava aquela montanha-russa emocional que AINDA me acompanhava perfeitamente natural.
Em alguns dias, eu tinha certeza que tudo daria certo. ~É só questão de me planejar e cair na estrada~. Noutros, rasgava tudo que havia feito e pensava ~Viajar e trabalhar? Impossível. Prefiro morrer~.
Era um misto de ~quero mudar de vida~ com ~eu não vou conseguir~. Nisso, os caminhos não ficavam claros e a ilusão de que ser nômade era para qualquer um me consumia. Repetia para mim mesma que eu precisava conseguir. Não podia fracassar. Me sentia humilhada por ganhar menos de dois mil reais com um mestrado no currículo.
Eu estava com 20 e poucos anos, naquela ânsia de viver muito antes dos 30, de aprender tudo logo, de não perder oportunidades, como se a vida após os 30 não valesse a pena. Me comparava o tempo todo e não queria saber o que estava acontecendo com a minha mente e o meu corpo: a vida é agora, porra!
Ignorar minha saúde mental me levou a tomar decisões precipitadas.
Embora acompanhasse nômades e freelancers que haviam feito as coisas com calma, como o Matheus de Souza e a Laís Schulz, esperei meu corpo chegar ao limite e joguei tudo para o alto, achando que daria para ser nômade mesmo assim.
O resultado? Uma demissão mal calculada, aperto financeiro e um mergulho no mundo das terapias alternativas, que só me levou ainda mais para o buraco. E viajar que era bom, nada.
Será que o nomadismo digital é para você?
Viajar é uma delícia, mas levou algum tempo até admitir que esse negócio de nomadismo digital não é para mim. Pelo menos, por enquanto.
Não condeno quem escolheu essa vida, ao contrário: gosto de acompanhar, fico admirada com a coragem e torço para que tudo corra bem. Essas pessoas nos inspiram a querer mais, a olhar o mundo de outras formas talvez nunca pensadas.
Para mim, no entanto, a revolução pode acontecer do meu amado sofá, onde me sinto segura e equilibrada.
Talvez seja uma questão de fases de vida. Por isso, listei algumas perguntas para você pensar sobre a decisão de ser nômade digital com bastante cuidado.
Questione-se e avalie:
- Como você está de saúde? Faz acompanhamento psicológico, toma remédio, pratica esportes, come bem? Como você fará para se manter razoavelmente equilibrada viajando?
- Reserva financeira de pelo menos 6 meses: isso é inegociável, a menos que você queira viver com MUITA emoção.
- Você é alguém que fica entediada facilmente? Prefere ter uma rotina mais estruturada, com horários? Sua produtividade melhora ou dá uma travada diante de tantas mudanças?
- Já teve a chance de visitar outros países alguma vez? Fala inglês ou algum outro idioma? Tem uma rede de apoio lá fora ou um cantinho para voltar, em caso de emergência?
- Que tal começar como freelancer, trabalhando de casa, para compreender seus ritmos? Aos poucos, você pode expandir seu ~território~. Primeiro se observe em casa, depois, na casa de um amigo. Aí, experimente avançar para uma viagem de fim de semana, levando seu trabalho nas costas. Perceba como você reage diante de imprevistos, pois a tendência é que eles aconteçam com frequência quando se está viajando.
Vai por mim: refletir sobre os pontos acima pode fazer toda a diferença.
Nada é definitivo: sobre fases de vida
A ideia de ser nômade digital ainda me atrai. Eu não descartei a vontade de viajar e trabalhar, apenas não sinto que é o momento ideal. Penso que ser nômade também tem a ver com nossas fases de vida.
Minha fase atual é estável. Estou decorando meu primeiro apê, ao lado do meu namorado. É alugado, sim, mas queremos deixá-lo com a nossa cara. Passo horas arrumando um cômodo e lendo sobre gatos, pois minha companheira felina e temperamental ganhou um irmão de quatro patas. Minha saúde mental está estabilizando após muitos anos enlouquecedores e eu estou contente com o meu trabalho, vivendo da escrita, lidando com clientes confiáveis, que pagam bem.
Pode ser que daqui a uns anos, eu releia esse artigo e ache tudo uma bobagem. Sem problemas. Meu momento atual é esse, mas ele pode mudar.
Nomadismo digital envolve autoconhecimento e prioridades, então pense: o que é mais importante para você agora?
Algo que ficou claro para mim quando tive a chance de morar fora é que eu sou muito família. Teria sido muito mais difícil se minha avó tivesse morrido enquanto eu estava longe. Pude dar suporte a minha mãe e viver o processo do luto intensamente. Estar perto e apoiar pessoas que amo me interessa.
É dose renunciar, mas precisamos escolher.
Abrir mão do nomadismo, nesse momento, me faz bem. Talvez seja porque eu também já tive a chance de dar uma boa passeada ao redor do mundo: dormi sob as estrelas no deserto do Saara, voei de balão na Capadócia, andei sob um vulcão na Grécia, comi mal em Paris, me apaixonei ainda mais por Salvador Dalí num museu em Veneza, procurei pistas dos Iluminati no Vaticano, descobri minha cerveja favorita na Bélgica… e por aí vai.
Vivi coisas incríveis, que levo no coração. Visitei mais países do que esperava em tão pouco tempo morando fora.
Estou feliz. Mas não sinto saudade de passar perrengue. Não sinto saudade de dormir em hostel barulhento ou no chão frio de uma rodoviária antiga em Milão.
Não sinto falta da insegurança nas ruas escuras de Roma. Não sinto saudade de vigiar os ~batedores de carteira~ em Madrid, enquanto espero um sanduíche barato ficar pronto. Zero saudade de ser perseguida e encurralada por marroquinos tentando me vender alguma coisa. Saudade nenhuma de dividir banheiro com gente estranha que não dava descarga.
Não tenho saudade do que o dinheiro não pode comprar.
Não gosto de lembrar como sentia fome quase o tempo todo em Paris. Era tudo muito caro.
Minha ideia de viagem, hoje, é outra. Ainda amo viajar, mas amo muito mais curtir e aproveitar bem. Gosto de comer bem, de experimentar, de passar tempo nos lugares sem aquela ânsia de me preocupar com dinheiro. Gosto de viver, não de apenas visitar.
Nossas perspectivas mudam e isso é ótimo. Acho que o importante é buscar paz. Não diria que ~sosseguei~, diria que estou sossegada. Agora, o que eu mais quero é terminar de desencaixotar a mudança e ver a Sabrina e o Tofu se dando bem, sem rosnados e patadas.
Sonho comigo jogada no sofá, tranquila, brincando com os gatos, enquanto meu parceiro cozinha e canta algum refrão da banda Natiruts, da qual somos fãs.
Sonho com a gente bebendo vinho, sem hora pra acabar, em terras argentinas, visitando a família dele. Gosto de pensar em nós quatro — eu, ele e nossos gatos — explorando ao redor do mundo, enquanto carrego meu notebook para cima e para baixo, e trabalho normalmente.
Mas gosto muito mais de planejamento, de calma, de dinheiro para comer e viver todas as experiências incríveis que a vida tem pra oferecer, seja na sacada do nosso apartamento ou no topo de uma montanha no Machu Picchu.