Calma, PAS: você não vai encontrar felicidade no trabalho

Já começo polemizando porque é urgente pensar ao contrário. É urgente desfazer essa ideia de ~trabalhar com propósito~ e ~encontrar felicidade no trabalho~, como se isso fosse mesmo acessível a todas nós.

Explico: quando você é uma pessoa altamente sensível (PAS), o trabalho ganha dupla importância. É trabalhando que exercitamos o servir, uma das maiores habilidades de quem possui o traço da alta sensibilidade.

Mas, por vezes, o que noto nas PAS é o desespero para encontrar algo que faça sentido, de preferência com retorno financeiro. Essa busca desesperada pode nos cegar para a real função do trabalho: nos manter vivas, garantir o pão de cada dia, pagar o aluguel, enfim, sustentar a vida que escolhemos.

Eu mesma caí nessa armadilha quando saí da CLT para empreender.

Esgotada mas otimista, abracei uma causa (oba, finalmente vou viver da escrita e fazer os meus horários!) e me demiti sem o menor planejamento.

Resultado: em três meses, adoeci ainda mais e fui despejada do cubículo onde eu morava, por não conseguir pagar. Os meses que se seguiram foram só ~tiro, porrada e bomba~.

Conto tudo isso para dizer que eu estava, naquela época, agarrada à maldita ideia de ~trabalhe com o que ama e não terá que trabalhar mais nenhum dia na vida~.

Eu consumia muito conteúdo de autoajuda barata. Me culpava por não conseguir acordar às 5 da manhã e correr atrás dos meus sonhos.

Queria ser feliz trabalhando. Via blogueiras e gente como eu no Instagram fazendo dinheiro com o que gostavam e teimei que isso também era pra mim.

Fiquei obcecada e botei o trabalho no centro da minha vida. Me esqueci que ele é apenas uma parte do meu dia e um meio de sobreviver nesse mundo capitalista.

Nisso, fui deixando de encontrar felicidade nas pequenas grandes coisas, porque estava muito ocupada tentando ~ser feliz com um trabalho que eu gostasse~… até entender que ele não existe.

E é este o alerta que quero trazer para você.

Mude sua perspectiva sobre o trabalho e seja feliz

Eu não sou uma pessoa infeliz no meu trabalho atual: apenas não deposito mais todo o meu bem-estar nele.

Me sinto privilegiada por trabalhar com a escrita e no modelo home office? Sim, o que não significa que eu ache todos os dias maravilhosos. Tem horas que é um saco! E tudo bem ser assim.

O perigo é a imagem que nos vendem. Ser feliz no trabalho é possível? Claro, mas não o tempo todo.

Para as pessoas altamente sensíveis (PAS), o trabalho é visto de modo mais reflexivo. Odiamos competir, mas curtimos ser elogiadas pelo que fazemos.

Como expliquei na edição passada, somos colaborativas, temos senso de equipe e amamos fazer tudo bem feito.

A bendita felicidade no trabalho pode estar aí: num elogio. Ponto.

Entender que a felicidade VEM e PASSA alivia essa obsessão por trabalhar com algo incrível que faça sentido.

Quando você compreende que a felicidade é feita de micromomentos, sua perspectiva muda.

Quando você se lembra que num único dia você pode experimentar raiva, alegria, tristeza, sua perspectiva muda.

Aplicar a felicidade ao trabalho e colocar isso como objetivo me parece torturante. Vamos falar a real: quem é que queria trabalhar? Eu que não!

Eu queria dinheiro fácil, na minha mão, queria boletos pagos num piscar de olhos, queria acabar com a fome do mundo, resgatar todos os animais abandonados, garantir a aposentadoria e a saúde dos meus pais e assim por diante. Mas não posso fazer isso. Mal dou conta da minha própria vida.

O ponto é: trabalhamos para ter o mínimo de dignidade e perceber isso dói pra caramba! Se assim como eu, você não nasceu em berço de ouro, não há outro caminho a não ser… trabalhar. Se der para fazer algo que você curte, ótimo. Se não der, paciência. A felicidade vai te encontrar depois do trabalho e isso não precisa ser ruim.

A estabilidade e a rotina são importantes para uma pessoa altamente sensível (PAS). Logo, pra que bagunçar tudo isso, se agarrando aos bordões de ~preciso fazer algo que eu amo~? Quem disse que precisa?

As PAS são mestres em enxergar beleza onde ninguém mais vê. Então que tal deixar o trabalho no lugar dele?

Num país como o Brasil, com milhares de pessoas desempregadas, sugiro que você pare um pouco e pense: eu detesto meu trabalho ou só estou precisando de férias? O salário realmente é uma desgraça ou eu tô conseguindo me virar, ainda que com o mínimo? Quero pedir demissão porque estou sendo humilhada ou porque encontrei algo mais alinhado com o que acredito? Estou doente trabalhando dessa forma ou dá para seguir adiante e equilibrar as coisas?

São muitas variáveis. Não apoio você continuar no seu trabalho se isso tá te trazendo SOFRIMENTO. Mas se é só um ~siricutico~ e uma vontade de ~trabalhar com propósito~, opa, aí eu vou contestar.

A melhor dica que eu já recebi

Já escrevi isso antes, mas vou repetir: você existe para além do seu trabalho. Grave essa frase.

É claro que o mundo corporativo não favorece as PAS na maioria das vezes. Elaine Aron, em seu livro, já disse que não nos damos bem com jornadas extensas, estresse e ambientes de trabalho excessivamente estimulantes. Mas se esse local tá pagando nossas contas, o que podemos fazer?

Lembrar que nossa contribuição está também do lado de fora do escritório.

Acho um pouco estranho quando alguém diz que se realiza completamente no trabalho. Sei lá. Meu trabalho é legal, mas eu me realizo contando uma piada e fazendo todo mundo ao meu redor dar risada.

Eu me realizo cuidando de um bichinho de estimação, acertando o sal na comida, dançando quando tenho vontade, no meio da sala, com as janelas escancaradas, sem medo do julgamento dos vizinhos.

E aqui vem a melhor dica que eu já recebi, quando ainda buscava ~ser feliz trabalhando~: PARE DE INSISTIR PARA QUE TODOS OS SEUS DONS SEJAM EXPRESSOS NO TRABALHO.

Em outras palavras, amplie o uso dos seus dons para se conectar com o mundo. Saia com uma amiga e ouça. PAS costumam ser excelentes ouvintes.

Pinte um quadro nas horas vagas e divirta-se. Admire sua capacidade artística (ou ria da falta dela). Cultive o seu bom gosto e a sua habilidade para transformar um ambiente tosco em um local aconchegante.

Não insista em querer ser vista com todo o seu potencial no trabalho. Expanda. Espalhe-se. Faça voluntariado e sinta seu coração mais forte. Seja a melhor filha, irmã, namorada. Dê colo. Peça colo. Seja gentil. Utilize seu sexto sentido para fazer o bem.

E veja, como eu vi, a felicidade se aproximar, num eterno vai e vem.

Você tem algo a dizer?