São 9 horas da manhã. A profissional exemplar já está de pé, arrumada e maquiada, tomando a segunda xícara de café, esperando a reunião virtual começar.
Durante a reunião, ela expõe seus pontos de vista, sem medo, agiliza e repassa mentalmente tudo que foi feito no dia anterior.
A primeira reunião finda às 10h. Ela sorri, satisfeita. Às 10h15 tem mais uma. Partiu discutir as entregas, só para reforçar o combinado das 9h30. Até o meio-dia tudo é entregue.
De tarde, logo após o almoço, a profissional segue animada para trabalhar até as 19h. Antes da meia-noite, ela já está dormindo, totalmente relaxada, para acordar com os passarinhos, às 8h em ponto, faça chuva ou faça sol. Sem dúvidas, uma profissional exemplar.
Essa profissional não sou eu.
O cenário acima parece bom. Energia pura, reuniões motivadoras, produtividade alta e a sensação de dever cumprido. Que delícia trabalhar desse jeito!
Pena que para as pessoas altamente sensíveis (PAS) a coisa não funciona assim.
Neurodiversidade e sensibilidade de processamento sensorial: diferenciando pessoas no ambiente de trabalho
Eu me conheço: se colocada numa equipe, dificilmente vou assumir a liderança. Primeiro que detesto ser o foco das atenções; segundo que para trabalhar bem, preciso assumir uma coisa de cada vez.
Esse negócio de ser multitarefa, correr pra lá e pra cá, verificar quem fez ou não fez, pular de reunião em reunião é absolutamente estressante para mim.
Fico agoniada com conversas repetitivas e reuniões que poderiam ser um e-mail. Meu cérebro se agita e o corpo pede socorro quando há mudanças de última hora no trabalho. O humor das outras pessoas me afeta. Se falam comigo de mil coisas ao mesmo tempo, eu processo só metade. Não é preguiça: é alta sensibilidade.
As pessoas altamente sensíveis (PAS) são aquelas que nasceram com o traço da alta sensibilidade. O cérebro altamente sensível fica sobrecarregado quando tem muita coisa acontecendo ao redor, portanto, trabalhar nos moldes tradicionais e num ritmo acelerado costuma ser desafiador para uma PAS.
O conceito de neurodiversidade vem para quebrar a ideia de que há algo errado com as pessoas que trabalham e percebem o mundo de formas não habituais. Na verdade, todas nós somos neurodivergentes, se compreendemos que não existem dois cérebros com funcionamentos iguais.
No ambiente de trabalho, tratar todas as pessoas da mesma forma é receita para o desastre. A interação entre pessoas com diferentes processamentos sensoriais deve ser estimulada, mas sem pressão.
Muitas empresas dizem que se importam e que o objetivo é despertar o potencial de suas colaboradoras. Mas quantas estão realmente preparadas para isso? Quantas empresas conhecem o conceito de neurodiversidade? Quantas já ouviram falar de pessoas altamente sensíveis (PAS)?
Precisamos considerar as diversas características como diferenças naturais no desenvolvimento humano, se quisermos ter uma equipe harmoniosa e garantir o melhor desempenho.
Como melhorar a atmosfera de trabalho para uma pessoa altamente sensível (PAS)
Vou começar no drama para discutir algo que não precisa ser dramático: o gerenciamento de pessoas altamente sensíveis (PAS). Com algumas dicas simples, é possível tornar o ambiente de trabalho muito mais confortável para as PAS e extrair delas o que têm de melhor.
1. Não avalie uma PAS a partir de seu comportamento
Pessoas altamente sensíveis (PAS) são, em sua maioria, introvertidas. Isso significa que costumam ser mais quietas e observadoras, mas não menos capazes. Antes de dizer que uma PAS tem baixo desempenho ou não colabora com o time, investigue: tem alguma coisa atrapalhando? Reuniões excessivas, música alta no escritório, perfumes fortes ou incensos marcantes (luzes, ruídos e cheiros mexem demais com o cérebro das PAS!), demandas que surgem do nada, problemas de saúde mental (alô, depressão, minha velha conhecida!), críticas, piadinhas infames, vigilância constante, quebra do fluxo criativo e encheção de saco, do tipo ~Já fez? Já acabou? Já entregou?~ podem ser incrivelmente estressantes para uma PAS.
2. Mostre que você confia no trabalho da pessoa altamente sensível (PAS)
Pessoas altamente sensíveis (PAS) são muito conscientes do que acontece e do próprio trabalho. Gostam de ter tempo para analisar os detalhes e se sentem desconfortáveis quando tem alguém cacarejando o tempo todo em seus ouvidos. Não curtem ser observadas trabalhando. Discutir ideias em público, com mais gente da equipe tagarelando? Não, obrigada. Os famosos microgerenciamentos e lembretes podem soar como falta de confiança no trabalho de uma PAS. Dê espaço para que uma pessoa altamente sensível trabalhe sozinha sempre que possível e combine horários para inseri-las numa pauta de equipe. Não chame uma PAS em vídeo só para ~alinhar~ as coisas e ver em que pé está o trabalho: é desgastante pra caramba.
3. Incentive as pausas
Quando eu trabalhava no regime CLT, presencial, fugia de tudo que pudesse tirar a minha paz. Colegas de trabalho querendo fofocar na hora do almoço? Que péssima ideia. Eu caminhava pelas áreas verdes da empresa e escolhia um cantinho distante pra sentar na grama, abrir um livro ou só ficar de barriga pra cima, mesmo, pensando em nada com coisa nenhuma. As PAS precisam de mais pausas que a maioria. Se ela pedir um momento para pegar sol, dar uma volta, respirar: ceda. Não é porque ela está quieta que não está trabalhando. Pausar faz parte do processo de uma pessoa altamente sensível. No trabalho remoto, mesma coisa. Eu saio da frente do computador várias vezes por dia. Me distraio um pouquinho, descanso a cabeça e volto: é assim que consigo produzir.
Em suma, não espere que todas as pessoas ajam e trabalhem da mesma maneira. Sustentar uma cultura de trabalho positiva e flexível é ótimo, mas não force a barra para que uma pessoa altamente sensível esteja envolvida em tudo, sempre. Elas manifestam suas emoções e interesses de forma diferente e compreender isso é o primeiro passo para que não se sintam desvalorizadas profissionalmente.
Dialogando, a gente se entende (assim espero!)
Esteja aberta ao diálogo, seja você uma pessoa altamente sensível (PAS) trabalhando em equipe ou uma empregadora.
Pode ser um pouco chato chegar a um consenso no início, mas vale a pena o esforço para entender como cada pessoa funciona.
Lembrando que alta sensibilidade não é um distúrbio. Não é o mesmo que transtorno de processamento sensorial. Pessoas altamente sensíveis sentem tudo de modo mais intenso e não precisam de tratamento para diminuir a sensibilidade: precisam de compreensão e apoio para poderem dar o melhor de si.
Se mesmo após uma conversa franca, o desconforto continuar, considere mudar de empresa. O ambiente de trabalho é um forte influenciador na nossa saúde mental. Ser altamente sensível é, entre tantas coisas, seguir sua intuição e respeitar os seus limites. Não se machuque: eu sei que você é uma baita profissional.
Portanto, onde não puderes dialogar, não te demores.