Por uns bons dias, entre o mês de dezembro e janeiro, a maioria de nós saiu completamente da rotina. Alguns se enfiaram no meio do mato (como eu), outros preferiram o pé na areia. Tem gente que viajou para longe da família e ficou feliz, tem gente que voltou para perto de quem ama e se fortaleceu.
Ah, as férias! A recompensa merecida, depois de tanto trabalho. Depois de tantos desafios, desaforos e desaforados, enfim… a paz. O sossego. A brisa do mar. A calmaria. O som dos pássaros. A ventania. Os amigos. Com prazo de validade, é claro.
E a pergunta que não quer calar: como voltar das férias sem sofrer?
Ansiosos e infelizes
Um estudo realizado em 2011 pela International Stress Management Association do Brasil (ISMA-BR), envolvendo 540 profissionais de 25 a 60 anos de idade, provou que 23% dos brasileiros apresentam dificuldades pós-férias.
Se esses dados já eram preocupantes 9 anos atrás, os atuais também não são lá muito animadores. Em 2019, o Brasil foi considerado o país mais ansioso do mundo pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Coincidentemente, os níveis de ansiedade e depressão aumentam justamente no início do ano, logo após as festas. Por que será?
Para Ana Maria Rossi, que coordenou a pesquisa do ISMA-BR, os sintomas camuflam algo muito mais abrangente: a insatisfação com o trabalho.
Pesquisa realizada em 2011 pelo International Stress Management Association do Brasil (ISMA-BR).
Para chamar ainda mais a atenção das pessoas no que se refere à saúde mental, em 2014, o psicólogo Leonardo Abrahão criou a campanha Janeiro Branco, muito divulgada nas redes sociais.
A escolha do mês faz sentido: o sentimento de inadequação por não ter concretizado metas, a volta das férias para um trabalho que não te realiza, fora toda a pressão típica da época (com família, por exemplo) colaboram para o surgimento de quadros ansiosos e depressivos logo que o ano começa.
Amenizando a situação
Apesar das estatísticas e do sentimento coletivo de cansaço, há algumas coisas que você pode fazer para aliviar a dificuldade de voltar ao trabalho:
1. Se possível, volte de viagem uns dias antes
A ambientação do corpo e da mente é fundamental. Pode ser um verdadeiro baque chegar de uma viagem no domingo e já vestir a camisa na segunda. Dê a você um tempo para organizar os próprios pensamentos e se reconectar com a ideia de voltar ao trabalho.
2. Não precisa “voltar com tudo”
Aquela sensação de que ficou coisa faltando antes do início das férias pode vir com tudo quando elas acabam. O ideal é não querer resolver tudo de uma vez. Volte devagar, liste prioridades e o mais importante: não se sinta culpado por não estar com a “corda toda”. Cada um no seu próprio tempo.
3. Inclua os miniprazeres diários
A frustração pelo fim das férias está diretamente ligada a falta dos miniprazeres diários, como se, a partir de agora, você não pudesse mais se divertir. Incluir coisas prazerosas na sua rotina é importante para evitar aquela sensação de só ter sido feliz nas férias.
Pense: do que você gosta? Da janela do seu escritório é possível ver o pôr do sol? Será que você não consegue ligar 5 minutinhos para falar com alguém que ama? Um trecho de livro, um episódio de podcast, uma música boa, um horário de almoço realmente tranquilo: coisas simples que podem fazer uma grande diferença.
4. Mude sua perspectiva (ou mude de trabalho)
Pergunte-se: você espera ansiosamente pelas férias? Se o descanso te parece algo distante, difícil de ser incluído na rotina do escritório (ou do home office), talvez seja hora de reavaliar como você enxerga a questão do trabalho. Ou encontrar um trabalho que te realize a ponto de você conseguir tirar miniférias e gerenciar melhor o seu tempo.
Ninguém deveria trabalhar só para sobreviver e ter as merecidas férias. Mudar a sua perspectiva sobre o assunto pode trazer alívio, afinal, seu descanso também é merecido nos finais de semana (e se precisar, até no meio da semana – por que não? Pessoas altamente sensíveis, por exemplo, ou que sofrem de transtornos de ansiedade, podem precisar de muito mais tempo e descanso para render no trabalho. Não somos todos iguais).
Leia também: Pessoas sensíveis e os impactos no ambiente de trabalho
Férias = prazer / Trabalho = obrigação?
É claro que a gente gosta de ver as contas em dia, os boletos quitados e o armário cheio de opções para quando a fome bater. É claro que a gente ainda precisa de dinheiro para sobreviver.
Mas, quando depositamos toda a nossa energia no trabalho, focando em trabalhar só para pagar as contas, vendo o que fazemos como obrigação, como algo sem saída, a chance de nos sentirmos exaustas depois de certo tempo tende a aumentar.
Você conhece essa história: no início, você tá com todo aquele gás, feliz por poder resolver parte das suas dívidas e ter onde trabalhar.
Com o tempo, o trabalho se torna maçante. Você entra no piloto automático e só pagar as contas te parece pouco. Você começa a se questionar sobre qual a sua contribuição no mundo. Pode ser que você comece a se interessar por autoconhecimento e desenvolvimento pessoal. Pode ser que você passe a se incomodar mais do que o normal, por mais legal que o seu trabalho seja.
Você sente falta de MAIS. E daí por diante… é só ladeira abaixo (no melhor dos sentidos, embora nem por isso menos difícil).
Saiba que é possível colocar PRAZER naquilo que você precisa desempenhar todos os dias, ainda que não seja “tudo que você sempre quis” (o que é um pouco exagerado também, pois os desafios são constantes em qualquer profissão). Esse é o início da busca por um trabalho que faça sentido, que te dê ânimo e corte essa sensação de só ser feliz nas férias.
Por isso, se você tá com muita dificuldade de retornar ao ritmo de trabalho, com o pensamento longe, nostálgica, lembrando de todas as coisas boas que viveu, lamentando por ter que encarar novamente os compromissos e a agenda cheia, alerta. Se esse sentimento durar mais de 15 dias, conforme cita Ana Maria Rossi no estudo, pode ser o caso de procurar ajuda profissional.
Sua saúde mental vale mais: trabalho nenhum compensa o desespero que a gente sente por dentro. Avalie qual é o seu caso.
E lembre-se: um trabalho pode até pagar as suas contas, mas não sustenta o que muitos de nós buscamos: a sensação de não viver em vão.
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No episódio 2 da segunda temporada do meu podcast, falo sobre o fim das férias e essa ansiedade de ter que voltar ao trabalho. Pareço uma doida gravando (quase dá pra me imaginar andando de um lado pro outro, aborrecida), mas tudo bem, hahah! Se você se identifica, clique aqui para ouvir!