Ele levantou da cama, sem graça, pedindo desculpa por não ter dado conta do recado. Tomou um copo d’água e voltou, fazendo um nítido esforço. Sentou na beirada da cama, meio pensativo, e disse que ainda não tinha superado a ex. Pior: que eu me parecia com ela. “Física ou mentalmente?”, pensei. Mas na verdade, tanto fazia. Eu também não havia esquecido o meu ex, apenas não achei interessante mencionar.
Não fiquei chateada nem nada: estávamos os dois tentando preencher espaços. E nessas horas não cabe fazer cara feia. Melhor oferecer só o ombro mesmo, cobrir as outras partes do corpo, cruzar as pernas e abrir o coração. “Quer conversar sobre isso?”, perguntei. Ele não queria. Tudo bem. Não deu meia hora ele tinha ido embora. A casa não ficou nem mais nem menos vazia: entre o ficar e o se mandar, a presença dele não fazia diferença.
E eu comecei a pensar que necessidade é essa de mostrar que a gente já superou. Podíamos não ter transado, podíamos não ter tentado fingir que a gente já tá bem. Que a gente já consegue receber outro alguém, que o nosso passado não vai habitar o pensamento bem na hora do… enfim.
É isso que dá, insistir em colocar o dedo na ferida aberta. O corpo fala, mostra do que é capaz: enrijece, não cede, sente dor, transforma o que era pra ser uma dança energética incrível num teatro patético com frases e movimentos repetitivos. O corpo não quer saber quem é a pessoa ao nosso lado, o corpo não tem tempo de esperar o encaixe perfeito. Ele não foi feito para o desprazer. Mas a gente persiste e acaba topando um sexo mais ou menos, uma troca desajeitada, onde mesmo dando e recebendo, a alma fica atordoada, olhando para pessoas que não nos acrescentam e que de nós, também não levam nada…
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[Este texto é a base do episódio 2 do meu podcast! Clique aqui para ouvir].