[Textin] Meus pais é que sabiam sextar

Sexta-feira. Eu voltava da escola no fim da tarde e chegando em casa já sentia a animação tomar conta. Os cachorros já estavam aborrecidos, choramingando no canil – sinal de que ia chegar gente. A música já se fazia ouvir, e eu ia pra edícula ver o que estavam aprontando.

Às vezes via meu pai e meu tio preparando a carne, beliscava algo (na época eu comia carne), dava um pulo na cozinha e perguntava se minha mãe precisava de ajuda. Ela como sempre atarantada, mas dando conta da porra toda.

Meus irmãos apareciam, nossos primos também, e quando dava por mim já tinha bebês dormindo na minha cama, no quarto escuro, longe da cantoria na sala. Ah, sim: porque sexta-feira era dia de cantar. Meu pai puxava o coro, ajeitava o videokê e os microfones. Eu ia conversar com os cachorros, conferir se estava tudo bem, porque a algazarra seria grande. Minha família se dividia na hora da cantoria. Mãe gostava de cantar uns pagodes, pai se arriscava cantando Beatles, minha tia mandava bem no italiano e eu entrava na zoeira dos Mamonas Assassinas.

Os adultos bebiam sem se alterar demais, as crianças enlouqueciam meus cães com a correria, eu xingava um pouco mas também dava risada. Íamos dormir pouco depois da meia-noite. Eu gostava de ficar por último, brincando com meus cães na grama, olhando lua e estrelas. Às vezes aquela festa toda enchia meu saco: não é de hoje que amo ficar sozinha no fim de semana. Mas a alma da gente não é linear: exatamente hoje, me deu saudade de quando minha família parecia mais normal e os nossos problemas, menores. Eu não tinha muito com o que me preocupar. E vendo as pessoas aqui no feed exaltando a sexta-feira, querendo a todo custo celebrar, enquanto eu tô caindo de sono, pensando nos boletos e contas pra pagar, me vem um pensamento engraçado: meus pais é que sabiam sextar.