Dia desses, tive um lapso de memória. Eu não conseguia lembrar o que eu fora fazer. Me vi ali, no meio da sala, parada, com as mãos na cintura. Sei que essa cena pode ser comum para algumas pessoas, mas não pra mim. Espantoso é que não aconteceu apenas uma vez.
Minha memória é muito boa. Às vezes, brinco que ter ~memória de elefante~ é castigo, pois lembro com detalhes tanto do que foi bom quanto do que foi ruim.
Não me considero alguém distraída: costumo manter os pés no chão. Não vivo no ~mundo da lua~. Mas tenho me sentido assim, perdida, olhando para todos os lados, caminhando apressada, até que, do nada, paro e me pergunto: ~Onde é que eu tô indo, mesmo?~.
Fui atrás de uma explicação. E o que encontrei não é nenhuma novidade, mas como ando esquecida, valeu a pena ler de novo.
Neste artigo, vamos conversar sobre o cansaço des-co-mu-nal que a pandemia nos trouxe e os efeitos a longo prazo na nossa saúde mental.
Dá pra culpar o nosso cérebro com mania de sobrevivência?
Durante a Mentoria de Escrita Gostosinha, uma das participantes (a talentosa Ingrid Santos) comentou que em alguns dias, sentia como se tivesse parado no tempo. Quase como se o corpo dela tivesse ficado lá em março de 2020, quando o coronavírus começou a chacoalhar o Brasil.
Para mim, isso faz sentido. O baque diante do desconhecido foi tão grande que talvez nossos cérebros tenham entrado em ação para nos proteger. De que forma? Congelando. É quase um movimento de negação. Tanto, que até o segundo semestre de 2020, acreditávamos que tudo ficaria bem.
Lembro, com tristeza, dos ~memes~ de aniversário e as pessoas ainda demonstrando otimismo: ~Em dezembro, já estaremos vacinadas e prontas pra festar!~. Ah, quem dera fosse verdade…
Bem que eu queria não escrever sobre nossas expectativas frustradas e parar de pesquisar o que tá acontecendo com o nosso cabeção.
As reações emocionais de um cérebro sob estresse
Já parou para analisar como você fica diante de uma possível ameaça? É comum perceber que os músculos enrijecem. O coração acelera. Ouvidos a postos, atentos. Muita adrenalina correndo pelo corpo. As mãos podem começar a suar. A respiração fica mais curta e o nosso ~cérebro reptiliano~ manda o aviso: vai, minha filha, corre, foge!
Isso pode acontecer tanto diante de uma ameaça imaginária, quando ficamos presas no ~mas e se…?~, quanto num perigo real, porém passageiro (quando estou andando pela rua, à noite, noto meu corpo entrando no modo luta/fuga, pois sinto um medo absurdo de olhar para trás e constatar que há um homem me seguindo; assim que entro em casa, esse medo passa).
A pandemia, no entanto, não foi pontual. Chegou, marcou presença e está, há dois anos, deixando as pessoas nervosas, roendo as unhas diante de tanta incerteza.
Lutar/fugir é uma reação natural do corpo humano. Sentir medo quase o tempo todo, não.
A preocupação com a saúde mental disparou porque não demos conta de lidar com a ameaça constante do coronavírus.
O estresse causado pela pandemia, a mudança brusca nas nossas rotinas, as perdas financeiras, o isolamento, a morte de pessoas que amamos… é coisa demais para assimilar. Um cérebro reativo em excesso desafia a sobrevivência e prejudica o raciocínio. Falta clareza, sobra preocupação.
Efeitos colaterais da pandemia (que talvez você não tenha percebido)
Pior: talvez você ache que os sintomas abaixo são parte da sua personalidade. É como se tivéssemos perdido um pedaço da nossa autoimagem. Veja com qual deles você se identifica:
- Cansaço e esgotamento para lidar com questões básicas do dia a dia (você se lembra quando era uma pessoa cheia de garra e energia?);
- Pensamentos repetitivos, em ~looping~ infinito (e a convicção que nossas paranoias são reais);
- Perda de memória repentina (o que eu estava falando, mesmo?);
- Irritabilidade, muitas vezes incontrolável (sem motivo aparente);
- Sensação de inadequação e desconforto (principalmente no meio de pessoas);
- Dificuldade para se concentrar por longos períodos (sossegar a bunda não te parece uma opção);
- Busca pelo prazer imediato (aquela recompensa cerebral, gostosa, que queremos pra ontem);
- Hipersensibilidade e reatividade (reagimos e só depois pensamos nas consequências);
- Insônia e dificuldade para relaxar (o pensamento não para!);
- Medo do futuro (sensação de bagunça, de névoa, de lente embaçada);
- Autocobrança e autossabotagem (mandamos, sem querer, mais cortisol ao nosso corpo já estressado).
Algumas ideias para aliviar a tensão
Lembrando sempre que nem tudo é aplicável e não há ~regras~ para contornar os efeitos da pandemia. Vivemos em bolhas sociais. Viemos de famílias e contextos diferentes. Logo, pegue o que achar que serve para a sua realidade.
- Vá meditar! Ah, não consegue? Acha um saco? Procura qualquer outra coisa que possa trazer bem-estar. Meditação é apenas uma das possibilidades.
- Cuidado com o que você tá lendo, assistindo e ouvindo. Foque em coisa boa, sempre que possível. Se informar é bom, mas se informar demais é pedir pra enlouquecer.
- Se você trabalha com computador por várias horas, aplique a regra 20×20 do meu oftalmologista: a cada 20 minutos, desvie o olhar da tela, distancie-se e permaneça uns 20 segundos olhando para o ambiente ao seu redor (aproveite para movimentar o pescocinho). Segundo ele, isso evita dores de cabeça e a famosa ~vista cansada~.
- Como pessoa altamente sensível (PAS), confesso que prefiro passar os 20 segundos da dica anterior de olhos fechados. Isso me traz mais calma, pois diminui os estímulos.
- Tá difícil voltar para o trabalho após o almoço? Caminhe. Caminhe ao redor da sua casa, se trabalha no modelo home office. Caminhe no cubículo do escritório, caminhe no banheiro do setor, mas caminhe! Experimente caminhar no lugar da sonequinha; pode ser recompensador.
- A última e não menos importante: terapia! Hoje e sempre.
E o futuro?
~E o futuro é uma astronave que tentamos pilotar/Não tem tempo, nem piedade/Nem tem hora de chegar/Sem pedir licença, muda a nossa vida/E depois convida a rir ou chorar…~ (Aquarela, de Toquinho e Vinicius de Moraes).
Essa música diz tudo: ninguém sabe o que será. Enquanto isso, cuidemos da nossa saúde até lá.