[RD Summit 2017] Sobre gados e marcas: a pipoca gourmet, o neuromarketing e você

Depois de muitos meses desejando conhecer o maior evento de marketing digital da América Latina, finalmente, consegui.

RD Summit 2017 foi, de longe, um dos melhores investimentos que já fiz. Não importa se ainda tem parcela e fatura por chegar: eu pago feliz, simplesmente por ter saído de lá modificada.

Difícil descrever todo o evento em um artigo só. Tenho vontade é de escrever uma série de artigos a respeito.

Mas, para começar, escolhi a palestra que, assim como descreveu Robson Cristian em 2016, mais me impressionou em 2017: “Neuromarketing, compreendendo o inconsciente do consumidor”, do simpático Fernando Kimura.

Eu não o conhecia, mas, de cara, o título da palestra me chamou a atenção. Seria uma coisa meio à la Matrix, meio Rei do Gado, talvez? Bastou: fiz minha própria associação e já gostei do que imaginei; só faltava confirmar.

O sobrenome do palestrante fez o resto: Kimura, de origem japonesa. Botei na cabeça que a fala desse pessoal é sempre muito calma e coerente. Convivi com japoneses e tenho família daquele lado do mundo. Logo me enchi de boas memórias e expectativas – olha aí a emoção já pesando na escolha do que eu ia assistir.

Vestindo uma jaqueta prateada, Kimura subiu ao palco e demonstrou muito mais que conhecimento de causa: demonstrou presença. Falou com propriedade sobre o inconsciente coletivo e explicou como nossas escolhas são baseadas em influência.

No marketing sensorial, isso significa explorar os cinco sentidos, pois através deles percebemos as sensações causadas pelo meio externo e interno. Essas sensações se transformam em experiências, que caracterizam as marcas com poder de influenciar no inconsciente do consumidor.

Vejamos algumas associações de marcas através dos sentidos:

#Tato: me lembrei na hora dos lençóis Zelo, que são a coisa mais gostosa de se encostar e deitar que eu já experimentei. Causam uma sensação geladinha na pele, confortável, não sei nem explicar. Só sei que depois da Zelo, dormir em cima de qualquer outro lençol me parece muito sem graça, para dizer o mínimo.

#Visão: o design da pasta dental Colgate Luminous White com tampa “abre e fecha” fácil. Custa (bem) mais, mas quem é que prefere aquela maldita tampa em formato de rosquinha caindo no ralo toda vez que escova os dentes, como o próprio Kimura relatou?

#Olfato: a polêmica Melissa com cheirinho de chiclete. Ô calçado para ter design estranho, viu! É de plástico, se calçar num calor de 40 graus vai dar bolha no pé, causa chulé, mas ahhh, aquele cheirinho quando a gente abre a caixa… (abria, né? Há anos que usei, para nunca mais!)

#Paladar: a memória do sabor de um Big Mac, por exemplo. Ou da Coca-Cola: quem nunca ouviu que beber Coca ajuda quando estamos enjoados? Que o gás que ela contém facilita a digestão etc? Lorota de pai e mãe, efeito placebo ou experiência científica, o fato é que a Coca-Cola virou mito, sendo facilmente reconhecida pelo nosso paladar.

#Audição: o tema da vitória do eterno Ayrton Senna fazendo as curvas finais na Fórmula 1. Que sonzinho mais inesquecível… e eu tinha apenas 5 anos quando aconteceu a tragédia (mas a bendita musiquinha me emociona até hoje, confesso).

Isso tudo prova como experiências auxiliam na construção de nossas percepções e são capazes de provocar as mais diversas sensações.

Esta é uma lição poderosa para as marcas, principalmente se pensarmos no conceito de lowsumerism, apresentado por Kimura durante a palestra. Traduzindo rapidamente, seria algo como consumo consciente ou equilibrado.

A marca deve agregar alguma coisa ao consumidor e pensar: que tipo de experiência estou proporcionando, afinal? Qual a ideia por trás do produto?

Ri alto quando Kimura mencionou os famosos brindes distribuídos por empresas: canetas, canecas e pen drives. Nunca tinha parado para analisar isso, mas, convenhamos, quem é que realmente quer essas coisas? Vamos nos lembrar com mais facilidade de uma determinada empresa porque ganhamos um caderno com o logotipo dela ou mesmo uma caneta? Talvez, mas definitivamente o caminho não parece ser esse. Forcei na memória: esses brindes todos que ganhei alguma vez ou se acumularam na estante ou foram parar numa caixa qualquer. E a sensação de admiração pela marca, cadê?

Kimura compartilhou um vídeo curto com um exemplo genial (e, na minha opinião, assustador!) de experiência sensorial aliada a uma causa: a vitrine da loja Saks, na famosa Quinta Avenida, em Nova York, ganhou vida e exibiu telões no lugar de meras roupas e acessórios. Neles liam-se frases como “We should all be feminists” (alusão ao livro Sejamos todos feministas, da maravilhosa Chimamanda Ngozi Adichie).

A vitrine, de acordo com Kimura, muda sua mensagem a cada 15 dias. Recentemente, a Saks ofereceu sua vitrine para apoiar outra causa social e chamar a atenção do consumidor para o acúmulo e desperdício de roupas nas indústrias.

Ao que parece, é assim, aos poucos, que a empresa demonstra valor através de mensagens que impactam, alinhando-se com os conceitos de lowsumerism e cultura.

Durante a exibição do vídeo da Saks, porém, não pude deixar de pensar nos sentimentos confusos, sobretudo de estresse e ansiedade, que o consumismo desenfreado nos traz.

Também pensei nas muitas possibilidades que o neuromarketing oferece para que a roda continue a girar. A proposta na vitrine da Saks é criativa, sensorial e trabalha tanto a visão quanto a audição. Ainda assim, não deixa de ser uma loja de departamentos de luxo. E é realmente incrível como o consumidor se dispõe a pagar por uma experiência, por vezes comprando o que não é necessário.

Isso me lembrou que há alguns anos assisti a um filme marcante de tão tosco e brilhante ao mesmo tempo, chamado “Eles vivem” (They Live, no original, de 1988).

Dentre as diversas mensagens, pode-se dizer que é também uma crítica ferrenha aos hábitos de consumo e alienação da sociedade, para falar do básico. Uma rápida passada de olhos pelo vídeo da vitrine da Saks e me veio esta cena do filme à cabeça:

“Consuma. Continue dormindo. Trabalhe. Reproduza. Obedeça. Conforme-se. Compre. Assista televisão” (Filme: They Live).

As marcas estão definitivamente tentando se adaptar ao SER e não apenas ao TER, o que acho incrivelmente paradoxal, por um lado.

Dependendo do que elas vendem, o SER estará atrelado ao TER, certo? Adianta apelar para algo como “Seja único. Use X”? Pois, para ser único, você precisará possuir X. E quando o possuir, será mesmo que se sentirá único? Com tanto alarde em volta de marcas famosas que utilizam desse tipo de argumento, não será você apenas mais um gado seguindo o rebanho?

É questão de lógica: seremos mais do mesmo. A mesmice te fazendo sentir especial. O efeito manada de consumo…

Pensei sobre isso diversas vezes durante a palestra, e fiquei com uma porção de perguntas no ar:

Haverá jeito para o nosso cérebro tarado pela constante sensação de prazer? Como ter mais consciência em meio a tantas ofertas que agradam aos nossos sentidos? Se as marcas nos proporcionarem essa sensação de prazer e de valor agregado constantemente, onde vamos parar? Quem está efetivamente conduzindo esse bando de gados no qual nos transformamos?

Fica a reflexão, já que, a princípio, não há respostas satisfatórias e muito menos definitivas para essa montanha de perguntas…

Ainda no quesito experiência sensorial, e praticamente contrariando minhas próprias reflexões, vale a pena citar mais um exemplo dado na palestra de Kimura e do qual duvidei até eu mesma fuçar.

Me refiro à Pipó, uma pipoca gourmet que, dependendo do sabor e da edição, não sai por menos de 40 reais.

A famosa pipoca gourmet.

Achei maluquice e pensei: quem é que paga por isso? Estava muito inquieta com a ideia até entrar no site da marca e ficar eu mesma com vontade de provar a bonita da foto abaixo:

Uma frase dita por Kimura resumiu bem o que eu sentia enquanto navegava, impressionada com as fotos, pelo site da Pipó: compramos mentiras bem embaladas.

Adoro um design bem feito, mas nem sempre me convenço pela aparência. O que me pegou mesmo foi a breve historinha contada: “O chocolate, que andava meio amargo, derreteu-se ao cruzar com a doce pipoca caramelizada”. Tô doida ou você também achou o máximo a descrição do produto? 

Compramos o que nos convence, de alguma maneira. E somos convencidos a partir daquilo que sentimos.

Ao ler as descrições das pipocassenti que estava sendo levada pela mão por alguém que me contava uma história infantil, exatamente como quando eu era criança.

Esse nome ficou na minha cabeça: Pipó. É pipoca, gente. É milho. Galinhas comem milho e coisa e tal. Mas a embalagem não é feita de estopa e a pipoca não vem num simples saquinho branco de cinema convencional: a embalagem é uma lindeza à parte, e ainda te conta uma historinha.

Também ousaram ao investir nos sabores, o que já desperta a curiosidade do paladar. Observe que pelo menos 4 elementos com foco nos nossos sentidos foram muito bem trabalhados: latinha (tato) + design bonito e diferentão (visão) + sabores e misturas inusitadas (paladar) + o bom e velho cheirinho de pipoca (olfato). Acrescente uma dose extra de status e a sensação de ter algo único (na nossa cabeça, claro) e elegante, e o resultado é = quero porque quero experimentar a dita cuja. Nem que seja uma vez na vida.

Analisando a coisa toda por esse viés, me surpreendi: gostando ou não, fui levada por uma estratégia de neuromarketing.

Em pouquíssimos segundos, me convenci e estou aqui pensando quando terei a chance (e o dinheiro) de experimentar essa pipoca que promete mundos e fundos, mas que ainda não é comercializada onde moro.

Melhor que isso? Só se eu encontrar o pipoqueiro tocando violino.

P.S.1: não fui paga para falar das marcas citadas não! Os links foram todos meramente ilustrativos.

P.S.2: Fernando, virei fã declarada. Ainda estou escrevendo sobre como e por que “persegui” você desesperadamente no evento. Obrigada por ter sido tão querido e topado tirar algumas fotos 🙂    

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