Uma das coisas que eu mais gosto de ver é o ser humano quebrando a cabeça. Eu mesma me coloco nessa situação desde que me entendo por gente.
Sabe como é, a gente começa com uma série de ~mas por quê?~ quando se tem menos de meio metro de altura e aí pronto: uma vez que você aprende e pega gosto por questionar, isso nunca mais te abandona.
Estamos vivendo um momento propício para isso. Para questionar tudo que sabíamos até então. Por vezes, nossa cabeça tá dando um nó – e eu acho bom.
Questionar o senso comum é fundamental. E a pandemia do coronavírus tem nos permitido esse questionamento em várias áreas de nossas vidas, gostemos ou não.
Repara bem: todas as camadas da sociedade foram atingidas.
Não sobrou status social pra contar história, porque não é isso que o momento pede. Seu dinheiro não compra a calma. Sua casa com câmeras de segurança não te priva de perturbações mentais.
Da empresária a desempregada, tá todo mundo sentindo coisas parecidas. A incerteza é global.
Estamos quebrando, por dentro e por fora – e isso não é ruim.
Destruir para ressignificar
Antes da pandemia, era mais frequente ouvirmos frases que refletem o senso comum, ou seja, aquilo que a maioria acredita, sem questionar.
Confessa: de vez em quando você repetia para si mesma que não é uma pessoa criativa. Que você não nasceu pra isso.
Ou ainda, que a vida é isso mesmo: sofrer bastante, ralar bastante pra poder pagar as contas, porque ~o que vem fácil, vai fácil~.
Para não falar do clássico ~Minha mulher fica em casa o dia todo, só cuidando das crianças e disse que tá cansada. Cansado tô eu, que passei o dia no escritório, aguentando meu chefe!~.
Tá bom: pode ser que você não tenha dito ou vivido nenhuma das situações que citei. Mas você provavelmente conhece alguém que se encaixa ali.
O senso comum é contagioso, assim como a preguiça mental.
É preciso que algo muito grandioso aconteça para chacoalhar o status quo. Como uma pandemia, por exemplo.
Aparentemente, tudo ia ~bem~. A vida seguia normal. Você falando aquelas baboseiras, os outros acreditando, a roda girando e o sistema se alimentando da ignorância alheia.
E aí, de repente…
… MEDO. TERROR. CONFUSÃO.
Todas as peças de um quebra-cabeça aparentemente perfeito são bagunçadas.
O seu sistema de crenças é afetado. Você não entende mais nada.
É como nas histórias em quadrinho: cai um vaso de flor na sua cabeça, em seguida um piano e por fim um cofre. BAM. Você estatelada no chão.
Esse é um marco importante na vida de qualquer pessoa: a destruição da ilusão.
Uma vez que você ~perde~ tudo aquilo que tinha ou a que se agarrava, sua visão é ampliada.
Por mais que doa, saiba que esse choque é um avanço: porque agora você pode ressignificar.
3 lições da pandemia
Ressignificar é conseguir olhar de forma diferente para algo que já existia. É expandir a sua consciência sobre determinado assunto.
A seguir, listei 3 que têm me chamado bastante a atenção nesses tempos instáveis.
1. A vida não é só trabalhar
Há muito mais para ser visto e explorado.
Quando nos tiram a venda dos olhos, surgem as perguntas: peraí, para quem estou trabalhando mesmo? E por que tem que ser dessa forma? Passo tempo de qualidade com quem amo ou só penso em ganhar dinheiro? Estou feliz fazendo o que faço?
A mensagem: você não é o seu trabalho e ele não te define. Você é a soma de todas as habilidades que coloca a serviço do outro e que oferece com amor ao mundo.
2. Criatividade não é dom
Eu adoro essa.
Quanto antes você entender que ser criativa não é questão de dom, melhor.
Veja bem: as melhores ideias surgem no caos. Desde que o mundo virou de pernas para o ar, eu já vi gente de vários nichos se reinventar.
Olha essa: ensaios fotográficos pela webcam. Como? A partir de prints da tela. A distância aflora o processo criativo na fotografia e a edição é um desafio diferente do habitual. Dá uma olhada no resultado do ensaio de 3 profissionais com estilos diferentes aqui, aqui e aqui. Achei lindo e genial.
A mensagem: criatividade é exercício. Não é algo exclusivo, que uns têm e outros não. Criatividade é curiosidade, brincadeira, leveza. É tentativa e erro, erro e acerto.
3. A sobrecarga feminina e o machismo nosso de cada dia
Não é mimimi: as mulheres são mais cobradas do que os homens socialmente.
Os pesos e as medidas são muito diferentes para cada um e isso está ligado a uma cultura machista bem enraizada.
Em 1998, numa edição especial da Folha de S. Paulo, foi feita uma pesquisa para avaliar o julgamento diante de situações que acontecem tanto com homens quanto com mulheres.
Adivinha? As situações eram as mesmas (trair, beber, usar drogas, etc), mas as mulheres foram muito mais julgadas.
Embora os números possam ter mudado um pouco, é assustador perceber como uma matéria escrita 23 anos atrás ainda faz sentido.
Há muitas expectativas em torno dos papéis sociais femininos.
Em meio a pandemia, casais estão se conhecendo de verdade, podendo olhar com mais atenção para a rotina um do outro.
As dificuldades diárias causadas pela jornada insana da mulher (e o que esperam dela) foram escancaradas.
Logo, os machistas de plantão estão ficando sem argumentos (quero ver falar que é de boa ficar em casa com as crianças, elétricas e felizes que são, com energia acumulada, sem poder sair e extravasar num parque, numa praia, enfim).
A necessidade de arregaçar as manguinhas para di-vi-dir (e não fazer uma coisinha ou outra) os cuidados e afazeres ficou GRITANTE de tão óbvia.
A mensagem: então o bonitão aí da casa tava achando que tarefas domésticas + cuidar de crianças o dia todo era mamão com açúcar? Pois achou errado.
Uma palavrinha sobre rachaduras emocionais
É brega, mas é real: não existe tortura maior do que a mental.
A prisão que construímos em nossas mentes nos impede de crescer e enxergar além do que se vê.
Quando algo abala o mundo inteiro, como é o caso agora, temos a chance de renascer, porque de repente fica tudo tão… claro.
A gente começa a filtrar o que é bom, o que faz bem, o que merece nossa atenção e por aí vai.
Portanto, permita-se quebrar.
Permita-se quebrar ao meio e deixar cair por terra tudo aquilo em que você acreditava. Tudo aquilo que você achava certo.
Sei que rachaduras emocionais não são fáceis de curar… mas, se quer saber, talvez não seja necessário.
Essas rachaduras – seja na sua alma, no trabalho ou no círculo familiar – têm lá a sua importância. Afinal, é assim que a luz entra.
“There’s a crack in everything. That’s how the light goes in” / “Há uma rachadura em tudo. É assim que a luz entra” (Leonard Cohen)