Eu não canso de falar sobre saúde mental e depressão. Por ser alguém que vive essa dor desde adolescente, é surpreendente pensar como consegui piorar meu estado nos últimos 4 anos.
Em 2016, aos 27 anos, me deparei com mil possibilidades de desenvolvimento pessoal e termos interessantes. Ah, que delícia esse negócio de autoconhecimento!
Pena que guardei meu pensamento crítico numa gaveta e modifiquei minha personalidade, passando de inquieta e questionadora a uma acéfala que vestiu suas melhores roupas e expectativas para ir na onda de coaches, gurus e terapias sem comprovação científica.
O fantástico (e assustador) mundo das terapias alternativas
Eu já fiz de tudo: tudo MESMO!
Vocês nem imaginam onde eu já me enfiei em busca de melhorar.
Só não tomei óleo essencial como se fosse chá porque trabalhei numa empresa de aromaterapia e aprendi que ingeri-los é perigoso.
Eu já pensei que o veganismo me salvaria da depressão: ouvi de uma nutricionista ~quântica~ que a carne era o ~x~ da questão. Que o problema poderia ser resolvido com mais legumes, grãos e queijo feito de batata.
Eu já tentei jejum intermitente, a fim de eliminar todo o mal do meu corpo.
Já comprei aquela garrafa bonitona, que vem com uma ametista dentro, acreditando se tratar de algo único, especial, feito lá nas minas do Sri Lanka, como a marca anunciava, para descobrir, ao ler na bundinha da garrafa: ~Made in China~.
Já meditei sob a lua cheia, ouvindo o mar, a fim de acalmar as ondas agitadas do meu coração. Se todo mundo conseguia e parecia tão em paz, por que eu não?
Passei a frequentar academia, pegar pesado na musculação, suar que nem doida: tinha que dar certo, porra!
Paguei mais de três mil reais para viver uma experiência com o coach mais famoso do mundo: Tony Robbins. E ainda levei meu pai, que também sofre com distúrbios mentais, junto.
Depositei na conta de uma terapeuta ~quântica~ mais mil e cacetada pra passar um fim de semana no meio do mato, com pessoas desconhecidas, cristais enormes e técnicas ~energéticas~ das quais nunca ouvi falar. Me arrependo? Não. Para algumas coisas, serviu. Mas não faria isso de novo.
Investi metade da minha rescisão, em 2017, numa terapia ~vibracional~ que ensinava o segredo havaiano do ~Sinto muito, me perdoe, eu te amo, obrigado~ e do pensamento positivo. Adivinha? Não funcionou.
Fui então para a constelação familiar, reiki, thetahealing, florais, barras de access, hipnose, enfim: experimentei quase tudo que vocês possam imaginar.
Eu queria acreditar que era só questão de ter mais fé, mais força, de me conectar com o Universo. Eu queria ser ~normal~, queria acordar todo dia com vontade de viver, queria correr atrás dos meus sonhos antes que eles desistissem de mim.
Cega, fui convencida a abandonar o divã de couro em prol das terapias alternativas.
Arrogante, comecei a acreditar que a indústria farmacêutica é o mal do mundo. Criei um escudo contra todo tipo de remédio. Não cederia jamais a esses cientistas malucos que só querem nos envenenar! (leia com ironia, por favor).
Pior do que isso? Passei a querer ~catequizar~ os outros e a dizer que, se com a pessoa não dera certo, coitada, é porque ela estava ~vibrando errado~.
Se é que dá pra ficar pior: mesmo seguindo religiosamente a terapia alternativa da vez, eu não estava melhorando.
Destrua o que você (acha que) sabe: armadilhas do ego
Uma coisa que demorei para entender é que depressão não tem cura. Eu queria me curar de algo que não pode ser curado, apenas administrado. Parece bobo, mas admitir isso foi muito difícil.
Para complicar, meu ego dizia que eu já deveria ter superado toda essa m*rda e que antidepressivos me deixariam dopada, sem sal, robótica. Olha quanta coisa eu já fizera, era só voltar para uma delas e praticar mais, afinal, eu era muito espiritualizada, não era?
Vivi uma guerra interna: se eu havia sido diagnosticada com depressão profunda e transtorno de ansiedade (o combo completo!) por uma profissional da saúde mental, por que me recusava a seguir o que essa mesma profissional indicava? Por que continuava acreditando que talvez a lua, o céu, as estrelas e qualquer coisa ~quântica~ poderia me ajudar?
Depois de muita terapia, choradeira e resistência, entendi: eu estava vivendo o famoso desvio espiritual (também chamado de spiritual bypass).
Isso acontece quando preferimos fechar os olhos para o que dói e entramos numa zona exagerada de bondade e superficialidade. Queremos ficar em paz, antes de entender o que nos traz desconforto. Usamos a espiritualidade como escapismo e chamamos as tragédias de ~momento cármico~.
O ego não gosta de desconforto: ele gosta do que é conhecido, do que é gostosinho, ele gosta é daquela crença antiga, daquele modelo de comportamento tradicional, que não exige muito esforço.
O maior soco no meu ego foi quando, durante uma sessão de terapia com minha atual psicóloga, inventei de debochar de mim mesma: ~Bom, tô depressiva, mas pelo menos não sou caso de remédio, hahaha, né?~. Ela, séria, respondeu, me olhando profundamente: ~Você é, sim~. *Pausa para o choque*. O que aconteceu depois daquilo eu detalhei aqui.
O ponto é que agora, sim, após 6 meses de tratamento, tomando 150mg de antidepressivo por dia, eu consigo criar uma rotina de exercícios físicos, de alimentação saudável, de meditação e ESCOLHER as melhores práticas espirituais, desconfiando sempre do que parece muito incrível, rápido e fácil. Isso só é possível, hoje, porque aceitei ajuda psiquiátrica. Paguei para ver se eu ia melhorar: e vi.
É muito bonito perceber como meus pensamentos clarearam.
É maravilhoso poder contar com a ciência, com a indústria farmacêutica e dar uma chance ao seu cérebro para sentir-se bem e produtivo, como nunca.
Antes, por mais que eu quisesse fazer todas as coisas que me sugeriam, não conseguia. Entre tantos sintomas, ter depressão também envolve a constante falta de energia.
Espiritualidade: até que ponto confiar?
Minha psicóloga diz que, para nos sentirmos bem, é preciso estar em dia com 4 áreas
Na prática, entenda-se o seguinte:
Física: consciência corporal é compreender o que seu corpo necessita para voltar a ter energia. É o autocuidado com a sua saúde física, por meio de uma rotina equilibrada, que envolve exercícios físicos, alimentação saudável e descanso.
Emocional: o autoconhecimento entra aqui. É quando você consegue nomear suas emoções e identificar seus gatilhos, reconhecendo seus limites. É a arte da escuta ativa, da auto-observação, melhorando assim o relacionamento consigo mesma e com os outros.
Racional: é o poder de análise, de observar e ponderar os fatos. É a sua capacidade analítica de rever conceitos e buscar pontos de vista para melhorar a educação e o convívio em sociedade. O foco é na resolução de problemas que exigem raciocínio lógico e rápido.
Espiritual: pode ter a ver ou não com religião. É a sua base, sua vontade de contribuir no mundo, sua conexão com tudo que está ao seu redor. É o exercício da compaixão e a busca pelo equilíbrio entre o seu mundo interior e o mundo exterior, envolvendo crenças e valores.
Porque ESPIRITUALIDADE sem PRÁTICA, sem CIÊNCIA e sem RECORTES SOCIAIS é apenas FANATISMO e ALIENAÇÃO!
Se te induzir a não tomar remédio, desconfie. Sei que a ciência pode ser exagerada, mas tudo tem seu valor.
Se não debate questoes raciais, políticas, se nao se importa com o próximo, desconfie.
Se sua própria terapeuta não é capaz de ficar feliz com o teu progresso — foi o que aconteceu comigo — , não pense que ela está apenas ~num dia ruim~: saia correndo!
A vida é feita de altos e baixos, e definitivamente, não é por meio da repetição de mantras que você se dará bem, conseguirá dinheiro, manifestar seus sonhos e coisa e tal.
Quando o seu cérebro necessita de química, não tem física quântica nem fé no Universo que resolva.
Palavra da salvação, digo, da experiência.