[Crônica] Tinderella

Ela não era muito chegada em apps de relacionamento, mas andava pior que água parada, então resolveu voltar pro jogo baixando o Tinder.

Escolheu uma foto qualquer para o perfil e começou a pesquisar, murmurando: “Hum, você não… você também não, você n-n-não, você talvez…” Risos. Muitos risos.

Gente que bota foto só de corpo e não de rosto, gente engraçadinha, gente impaciente, gente que descreve o signo só pra ver quem cai, gente amassando gatos e cachorros… até então ela só havia visto perfis de homens. E quando começou a pensar em lidar com bolas, fotos de pau, ego masculino inflado, cantadas baratas, convites toscos, imaturidade emocional e “oi, linda”, sentiu uma canseira danada.

Não desistiu, porém: apenas ativou a aba “homens e mulheres”. Ah, mulheres… ficou impressionada ao perceber que elas estavam dando um show nas descrições. Divertidas, inteligentes, pra frente, diretas. Viu várias fotos. Ok, peitos. Ok, bocas. Ok, sarcasmo. Ok, posicionamento político. Ela estava louca: levaria aquela mina pra jantar, aquela outra pra comer e mais uma pra ser comida.

Uma ruiva, maravilhosa, com um corpo de enlouquecer, escreveu: “Cansada de homens que não evoluem no mesmo tempo que eu. É mulher? Fala comigo, quero me sentir em casa”. Ela suspirou. Outra, com um sorriso incrivelmente doce, decretou: “Os caras não sabem fazer oral e também não querem aprender. Sou mulher e procuro outra. Mulher entende mulher”. Ela se agitou.

Seu interesse em mulheres era conhecido, mas pouco explorado. Sentiu que aquilo ali talvez pudesse valer a pena. Afinal, ela ainda estava juntando os cacos do último relacionamento. Ela merecia se divertir. Animada, trocou a foto e começou a pensar numa descrição para si. Lembrou que, quando criança, amava assistir Cinderella. Agora, isso não lhe fazia sentido algum. Cinderella o cacete… riu do trocadilho na sua mente: Tinderella. Porque ela não estava mais interessada em conto de fadas – só de fodas.

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