Nervosa, disquei: 1-9-0.
– Polícia. Em que posso ajudar?
– Alô, é da polícia mesmo?
– Claro, minha senhora. Qual a emergência?
– É a minha vizinha.
– O que tem ela?
– Eu não aguento mais as músicas que ela toca.
– Minha senhora, desde quando isso é emergência?
– Desde que perturbe a nossa paz mental.
– Certo. Quais as músicas?
– Como assim?
– Ora, às vezes é a senhora que não tá sabendo entrar no clima.
– Que clima? Quem tem clima quando toca Marília Mendonça e afins? Quem tem vontade de viver?
– A senhora está pensando em se matar? Que daí o telefone é 1…
– Estou, mas quem cuida do caso é minha psicóloga. Quero saber se vocês vão vir aqui dar um chega pra lá na minha vizinha.
– Vocês? Estou sozinho no expediente.
– Você vem?
– E fazer o quê? Pedir que ela abaixe o som ou desligue porque você precisa de paz mental?
– Isso.
– Minha senhora, isso não faz o menor sent…
– Pra começar, é senhorita. Pra terminar, é todo dia. Às vezes no nascer do sol, às vezes no fim da tarde. É mais sagrado que missa, mais perigoso que álcool. Vicia, quando vejo tô cantando e me enchendo de sentimentos esquisitos.
– Que tipo de sentimentos?
– Culpa, vergonha, medo de ser traída. Daí em seguida tenho certeza que darei a volta por cima e esfregarei tudo na cara dele.
– Dele quem?
– Vou saber? Tô falando que o negócio gruda e a gente nem sabe por que.
– Tenho uma ideia. Não curto sertanejo. Posso ir aí e te levar pra ouvir música boa.
– Peraí, você tá me convidando pra sair ao invés de fazer o seu trabalho?
– Estou te dando uma solução ao invés de fazer algo que não vai adiantar.
– Você não vai nem tentar? Veja bem, é muita falta de bom senso da minha vizinha! Já conversei, já mandei carta, já ameacei… o que você tem a dizer sobre isso?
– Os incomodados que se mudem.
– O mundo não é justo.
– Nunca foi. Mas música boa cura muita coisa, inclusive essa sua raiva.
– …
– Senhorita?
– Eu topo. Passa daqui 1 hora.