[Crônica] Sexo místico

“Vai, conta aí, que história é essa de sexo místico?”, ele perguntou, meio rindo, tão cru, e tão sem paciência. “Isso não vai dar certo”, pensei. Já estávamos sem roupa, a cama fria, e me distraí observando melhor aqueles braços.

Eu procurava tão desesperadamente uma conexão de alma, um envolvimento que fosse além de dois corpos tentando ocupar, desajeitados, o mesmo espaço, mas me dei conta de que já não seria com ele.

Alguns anos antes eu havia tentado contar a ele que eu era mais, muito mais do que ele poderia supor, e que eu estava no caminho para descobrir todo aquele poder. Mas ele não parou pra ouvir. Agora ele queria me ver falar.

Eu continuei muda, olhando para o desenho daqueles braços. Eram bonitos. Mas eu estava farta da beleza típica, do óbvio que salta aos olhos e que todo mundo pode ver. “Tô esperando você explicar como a gente faz esse tal de sexo místico”. Sorri, sem graça. Se preciso explicar então de mística a coisa não tem mais nada. A gente, uma vírgula.

Levantei, liguei a luz, falei pra ele se vestir. “Ué, como assim? O que foi que eu fiz?” Aí que tá, anjo, quando era pra fazer você não fez, agora pra mim também já não rola mais. E não foi por falta de tentar. O pensamento voava, mas eu mandei a clássica: “Nada, só tô com… cólica”. Ele deu de ombros. Se eu não explicava, ele também não ia procurar. Um dependente intelectual.

Comecei a raciocinar: eu estava cansada de ensinar a lição. A verdade é que eu não podia mais esperar por esse desabrochar. Eu só podia escolher pelo que eu ia me interessar. Cólica uma ova. Engoli em seco o que eu já vinha sentindo há dias. Havia ensaiado demais.

O chamei na cozinha e pedi que se sentasse, enquanto me preparava para a difícil tarefa que é terminar. Ele se sentou, debochado: “A louca das coisas místicas vai começar a discursar?” Agradeci mentalmente por mais essa dose de incentivo, antes mesmo de eu começar a falar. E tomada por forças místicas, de mãos dadas com o Divino, dei mais um passo em direção ao meu próprio despertar.

Você tem algo a dizer?