Fiquei roxa de raiva e aguardei o infeliz sair do banho. Ele saiu, cantarolando, querendo me abraçar, ainda de toalha. Fui fria e ele: “Nossa, o que foi agora?” Falei na lata: “Bom, como não confio mais em você, peguei teu celular pra dar uma olhada e achei essas mensagens estranhas. Sei que estou errada em ter lido, mas tenho meus motivos, e agora já vi, então pode começar a se explicar”. Ele ficou sem graça. Sentou na cama e desatou a falar: “Cara, isso não é nada, por favor, não fica aí minhocando, não tem nada a ver! Só estava sendo legal com elas, o que é que tem de mais chamar elas de meus amores? É só porque a gente se deu bem… eu saí uma noite com elas, confesso, elas queriam beber… a brincadeira de ficar nua é porque uma delas disse que sempre que bebe tira a roupa… não tem nada a ver…” Ele só piorava as coisas conforme falava.
Comecei a andar e a gritar feito louca pelo quarto, que ele não valia nada e que eu era idiota demais de estar ali dando uma segunda chance para um cara como ele! Bati a porta do banheiro e lá fiquei. Ele veio: “Por favor, amor, abre a porta”. Fingi que não escutei. Ele continuou: “Por favor, deixa isso pra lá, não aconteceu nada… foi tudo brincadeira… não deixa isso te afetar, a gente tava conseguindo ficar numa boa… vem, vamos jantar. Hoje é a noite do comandante, lembra?”.
Algum tempo se passou. Abri a porta, devagar. Meu rosto estava completamente contraído, assim como o meu corpo. Ele achou que tinha ganhado a briga, pois sorriu, veio me pegando, querendo agradar e foi aí que eu o empurrei, com desprezo, para em seguida fincar as unhas nele com toda a força. A pele sangrou, ele agarrou meus punhos, me chacoalhou e alterou o tom de voz: “Para! Tá maluca? O que você tá fazendo? Pra que tudo isso?” A raiva cega e não permite resposta. Me desvencilhei e comecei a tacar nele o que eu tinha por perto: secador, frasco de xampu, escova de cabelo, celular, um livro qualquer. Ele desviava, assustado, e insistia no jantar. Respirei fundo.
Por fim, acabei cedendo: vesti a roupa que havia separado e disfarcei a raiva com alguma maquiagem. Máscaras. Era a noite do comandante, a festa mais esperada do cruzeiro. Eu não tinha fome, mas o jantar seria especial, pois o capitão do navio faria um discurso. “Grande coisa”, pensei. Eu só tinha corpo: não tinha espírito. Jantei quieta o tempo todo, sem olhar para ele, que de quando em quando me pedia para esquecer o que tinha acontecido no quarto.
As mesas eram reservadas desde o primeiro dia do cruzeiro, então não se podia trocar de lugar, para o meu azar. Frustrada, comecei a analisar o ambiente. Era muita luz, muita cor, muito brilho, muita gente. Os garçons da nossa mesa eram dois filipinos amorosos que não paravam de fazer piada. Como eu não conseguia rir, um deles se agachou e me perguntou: “Hey, are you ok?” Engoli em seco e sorri forçado: “Yes, I’m ok”. Tudo me soava falso. As pessoas. A decoração. O sorvete italiano. Nada tinha sabor.
Quando o capitão desceu, um dos garçons me tirou para dançar ao som de Volare. Recusei. O salão todo estava em festa. As músicas italianas eram pura animação, mas eu não. Ele alisou minha perna por debaixo da mesa e perguntou, em tom paternal: “Por que você não vai dançar, como todo mundo? Você gosta tanto, amor…” Só o encarei. Não respondi. Esperei pacientemente o show terminar.
Enquanto aguardava, desempenhei meu papel de turista: filmei a dança, tirei fotos e virei uma taça de champanhe, observando os outros. Meu olhar caiu sob um casal que parecia realmente feliz: eles não estavam interessados na bagunça no meio do salão. Estavam sentados olhando o mar, perdidos na imensidão de si mesmos. De mãos dadas, com a sobremesa por finalizar. Me senti mal e olhei para ele, ao meu lado: alguém que me fazia sentir menos, ser menos, me gostar menos. Alguém que, embora fosse de exatas, não sabia somar. Ele crescia quando eu diminuía. E ali, em alto mar, eu não só desejei: eu me vi afundar.
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[Este texto é a base do episódio 7 do meu podcast! Clique aqui para ouvir].