“Não sou muito fã de vinho”, ele disse, um pouco sem graça, quando sugeri um jantar lá em casa regado a vinho. Pronta para rebater, falei: “Você não tá entendendo: não é qualquer vinho. É um vinho rosé, que eu trouxe do Porto. Coisa de outro mundo”. Pouco convencido, ele apenas riu.
Estávamos saindo havia alguns meses, mas nenhum dos dois assumia um relacionamento. Gostávamos de nos considerar livres, podendo sair com outras pessoas ao mesmo tempo, ainda que nossos programinhas de casal fossem cada vez mais frequentes.
Combinamos o jantar para sábado à noite, na minha casa. Eu morava sozinha, ele dividia um apê com os amigos. Mas eu queria que ficássemos completamente a sós e bem à vontade.
Eu estava levando aquela história do vinho do Porto muito a sério: havia trazido na mala uma garrafa linda, escolhida a dedo, depois de passear pelas caves da cidade portuguesa e provar pelo menos dez vinhos diferentes. Lembro de estar à margem do Douro, meio tonta, após a última degustação do dia, segurando minhas compras, e pensar que aquele vinho rosé era delícia demais para ser tomado sozinha. Eu o guardaria para beber com alguém que fosse no mínimo especial.
E ele, que era o cara mais inteligente que eu havia conhecido até então, que gostava tanto de violino quanto eu, que parava na rua para afofar cachorros exatamente como eu, me parecia ser. Eu não sabia se ele também me achava tão especial assim, mas não importava.
Animada, organizei tudo e esperei pelo fim de semana. Fiz uma lasanha vegetariana que, pensando bem, talvez não combinasse tanto assim com o vinho, mas que era uma boa opção para antes e depois do… isto é, caso acontecesse alguma coisa entre nós. Sexo com ele era consequência.
A gente não funcionava muito bem sob pressão: se eu achasse que ele iria lá em casa só pra transar, estranhamente, meu tesão diminuiria. Eu gostava de acreditar que ele curtia mesmo a minha companhia, as loucuras da minha cabeça e qualquer outra coisa além do meu corpo. Até porque eu agia assim com ele: não queria só encontrá-lo, queria saber da vida, do dia, das ideias, dos sonhos que ele tinha.
Eu o achava lindo, mas enxergava além da aparência. Ele me interessava 100%, e eu estava inteira em todos os encontros. […]
Na minha cozinha, ele não parecia muito confortável. Havíamos terminado de comer, e percebi que, se eu parasse de falar, o silêncio tomaria conta.
Direta, e estranhando o comportamento dele, mandei logo: “O que você tem?”. Segurando a taça, ele apontou para a garrafa de vinho e sorriu: “Estava pensando como falar isso… hum, é… então. Você tinha razão. Esse vinho é diferente. É muito bom. E eu já tô bêbado”. Caí na risada, sem acreditar: “Você só pode estar de sacanagem. Eu, que nem tenho costume de beber, ainda não senti nada demais”. Ele parecia aliviado de ter falado, porque continuava sorrindo e tentando se explicar: “Também, você bebe que nem uma tartaruga. Você não viu, mas gostei dessa bagaça e já estou na terceira taça. Isso não é bom. É muito raro eu me sentir assim”. Eu estava aliviada por vê-lo reagir e, no fundo de mim mesma, gostando de me sentir no controle da situação. O provoquei: “Assim como, facinho, vulnerável?”. Ele riu: “É… vai dando umas vontades”. Continuei: “Vontade de quê?”. Ele virou mais um gole, me olhou rapidamente e pegou a garrafa: “Ah, você sabe”.
Eu simplesmente amava o jeito meio tímido dele, e estava me divertindo, bebendo devagar, sentindo meu corpo esquentar. “Tem sobremesa?”, ele perguntou. Fiz que sim com a cabeça, e abri a geladeira, pronta para pegar uma caixa de chocolates, enquanto ele discursava: “Acho que um doce ia bem, tá difícil até pra levantar da cadeira. Melhor tomar um copo de água também, já que…” Ele parou de falar porque me viu na frente dele, com as mãos na cintura, decidida. Me olhou de cima a baixo, de um jeito curioso e divertido, como quem procura alguma coisa: “E a sobremesa?”. Me sentindo levemente alterada pelo álcool, eu o olhei profundamente, e aproximei meu rosto do dele pra dizer: “Tá aqui na sua frente. Vem me comer”.
Ele não tirou os olhos de cima de mim. O peguei pela mão, e ele foi levantando da cadeira, devagar. Percebi que o álcool havia tomado conta, pois ele começou a rir enquanto tentava não tropeçar, a caminho do quarto.
Fechei a porta e sem enrolação, o joguei na minha cama, tirei a roupa e ele, apesar da tontura, também não perdeu tempo. Fez o mesmo, ficando de frente para mim. Pegou meu rosto com as mãos: “Você é incrível”, e me beijou forte, com vontade. Retribuí, surpresa e feliz com toda aquela vulnerabilidade, até porque ele não se expressava com facilidade.
Transamos como nunca antes: ele não tinha pudores, não tinha vergonha, não tinha regras e dizia coisas sem se segurar. Sou movida por palavras, e tudo que ele dizia era capaz de me fazer voar.
A gente chegava ao êxtase, ele apertava minha mão, ouvíamos a respiração um do outro e começávamos de novo. Sexo, dança, movimento, fluidez, liberação. Que cena: ele estava ali de corpo, alma e coração.
Mas é claro que, a certa altura, a mente quis tagarelar. Um pouco mais lúcido, ele começou: “Queria te contar uma coisa, mas tenho medo, talvez você não entenda… mas acho que eu preciso falar”. Eu o incentivei, rindo: “Bobo, pode falar. Até parece que não confia em mim”. Ele devolveu na hora: “Você é a pessoa em quem eu mais confio”. Sorri. “Mas não sei se vou conseguir falar assim… é importante… ahh, quer saber, deixa pra lá. Me faz você uma pergunta”. Com o coração na mão – porque de repente algo em mim se acendeu e eu entendi onde ele queria chegar -, aproveitei a deixa: “O que você sente por mim?”. Ele respondeu sem pensar: “Tudo”. Encostei a cabeça no peito dele, a fim de ouvir os batimentos cardíacos, a fim de confirmar que eu não estava sozinha naquilo. O coração dele acelerado, tão ritmado quanto o meu. Pra mim bastou. Vi amor nos olhos dele e naquela intimidade. Uma verdade, ainda que alcoolizada, não deixa de ser uma verdade…
E porque amor é fogo, fúria e sensação, eu me vi queimar, e desejar de novo, e transar de novo, até que ficássemos os dois sem ar.
Queríamos nos envolver, queríamos nos comer, não queríamos ver a sintonia acabar. A mensagem era clara.
Pretexto é chamar alguém que te desperta em todos os sentidos só pra jantar… quando, lá no fundo de si mesmos, ambos sabem que o que realmente alimenta a alma é amar.