Tava no mercado, esperando a minha vez de pagar. Enquanto isso, atrás de mim, dois caras conversavam:
– Aí, mermão, cagou a pau, então?
– Claro, pô. Mulher se trata desse jeito ou elas montam em cima.
Meu coração disparou. Me senti ruim.
– Você bateu nela?
– Bati. Tá lá em casa chorando agora.
O outro riu, cínico:
– Cuidado, hein, hoje em dia tem a tal Maria da Penha, a gente tem que ficar esperto.
– Mulherada abusada. Até parece que a lei serve pra alguma coisa.
Eu estava muito nervosa. Precisava sair dali urgentemente. A fila não andava: a maquininha de cartão estava com problemas e a mocinha tinha saído pra chamar alguém. Os dois continuaram:
– Mulher comigo é assim, encheu meu saco, vai levar. Fica aí pagando de corno manso pra você ver. Depois você não dá conta.
– Eu não sou corno manso!
– Tu pensa que não é. Já vi a Ritinha dando mole por aí, por isso tô falando, fica esperto ou…
A dona na minha frente começou a passar mal, alegando dor no peito. O falador correu socorrê-la:
– Que foi, minha senhora, desmaiando assim?!
Ela horrorizada, olhando pra ele:
– N-nada, nada, uma tontura…
– Segura aqui na minha mão, eu ajudo a senhora.
– E a sua mulher? – a dona quis saber, meio sem jeito, com os olhos cheios d’água. Ficou claro que ela também ouviu a conversa. O cara não entendeu:
– Minha mulher? Tá em casa, ué.
A dona olhou para mim, cúmplice. Fiz que sim com a cabeça e revirei os olhos. O cara viu e mandou a clássica:
– Qual é, pô, eu sou um cidadão do bem, tava falando ali da minha mulher mas ela mereceu. Vocês não sabem da história, pô.
A dona visivelmente perturbada. Desvencilhou-se logo, e o cara, ainda segurando o braço dela, perguntou:
– Quer que leve a senhora até em casa? Quer que te acompanhe? Sou um cidadão do bem, minha senhora.
Era a minha vez de pagar. Finalmente. Ainda ouvi a mulher retrucar:
– Do bem, é? Imagina se não.
– Qual é, dona…
– Que Deus nos livre de vocês.