Aeroporto. Você tá atrasada e o portão já vai fechar e aquele corredor imenso não acaba mais, e você resolve correr pra não perder o voo, porque afinal, olha só que transtorno, olha só que absurdo, você tem compromisso, você não pode perder esse voo de jeito nenhum, e dá-lhe correr e se atrapalhar com a bagagem, e dá-lhe correr mais um pouco, sebo nas canelas, força na peruca, vai que dá, vai que dá, vai que dá e… não deu. O portão é fechado bem na sua cara.
Não tem mais ninguém pra discutir, pra te explicar, pra te falar uma palavrinha amiga. Já era. Perdeu. Senta e chora. Ou, na melhor das hipóteses, senta e começa a rir. Rir de nervoso. Mas funciona: force o riso e ele se tornará real. Fazer o quê? Brigar e falar alto, em público, como se você fosse dona da verdade é feio e não faz o seu tipo. Apontar para um funcionário da companhia aérea, que também tem lá seus problemas e pode estar num dia péssimo, também não parece o ideal. E agora? O compromisso. As ideias no ar, você no chão.
Começa a saga do pensamento humano: por que você? Por que você não conseguiu embarcar? Tivesse demorado menos no banheiro. Tivesse corrido mais, tivesse tido mais fôlego: pagando academia pra quê? Que ânimo pra ir até o balcão e descobrir a hora do próximo voo, o que poderia ser feito, a política do reembolso… pé no saco. Desiste. Se acomoda melhor naquelas poltronas duras.
Toca o celular. “Mamis”. Atende. “Oi, mãe, o que foi, meu Deus? Por que tá chorando? Calma, tô aqui, em terra firme. Perdi o voo. É, pois é, não deu. O QUÊ? Mentira. Mentira, mãe do céu, como assim? Meu Deus. Tá de brincadeira. Não pode ser. Espera”. Desliga. Você vai verificar, mas os olhos já estão cheios d’água. Abandona as malas no saguão, se dirige até um funcionário da companhia aérea. Ele se vira, os olhos marejados, o rosto aflito. Você mal consegue perguntar. Ele confirma: “Sim, madame. Houve um acidente. O avião do voo 357 acaba de cair”. Você engole em seco.
De volta ao saguão. Senta. Observa. Respira. Vontade de chorar. Não dá pra segurar. Você gostava de dizer que Deus não existe. Que ninguém se importa. Naquele dia, você não disse nada… mas também não duvidou.