Como não deixar uma história morrer

Às vezes, precisamos mudar o rumo das nossas histórias. Às vezes, elas são mudadas sem o nosso consentimento.

Às vezes, temos uma ideia que nos parece genial. Às vezes, em questão de segundos, ela perde a graça.

Então modificamos. Ou somos modificadas.

E uma nova história começa a ser criada.

Neste mês dedicado às mulheres, a Narrative, empresa da qual faço parte, feliz por agora contar com duas mulheres em sua equipe, estava preparando todo um arsenal de conteúdo relacionado à força e à luta diária que é ser mulher. Vários insights, posts inspiradores, histórias incríveis e dilemas povoavam a nossa mente.

Tudo ia bem.

As ideias fluíam, eu e minha parceira de trabalho vínhamos discutindo, imaginando, visualizando o cenário, organizando e pensando como pulverizar e distribuir caracteres e palavras.

Até que fomos interrompidas.

Baque. Horror. Silêncio.

Dia 14 de março, o rosto de Marielle Franco estampou as redes sociais, num grito desesperado que rapidamente se alastrou e abalou o país. Uma vida interrompida. E não era qualquer vida, não era uma vida à toa. Marielle era luta e resistência. Representação de todas nós. Era várias mulheres em uma. Pegamos emprestado o termo utilizado por Ellen Oléria para se descrever: Marielle era uma multidão de minorias.

Aqui, utilizamos a palavra “minoria” como destituição de poder. Ser minoria não é fazer parte de um grupo pequeno. É fazer parte de um grupo que não tem a sua voz ouvida. É fazer parte de um grupo ao qual não é conferido poder. É fazer parte de um Brasil que não respeita quem pensa diferente. Que não respeita quem age diferente.

A dor de uma é a dor de todas. Não fomos apenas interrompidas: fomos desrespeitadas, fomos assassinadas, fomos caladas.

Por um momento, nosso raciocínio parou.

O conteúdo que planejávamos perdeu o sentido e deu lugar ao bom senso e aos nossos sentimentos.

E assim, fomos novamente conectadas.

Conectadas pela dor. Nossas vulnerabilidades nos unem. Perceber o quão vulnerável somos e estamos no mundo é assustador.

E aqui estamos, revendo a nossa programação. Reescrevendo o que tínhamos em mente. Atravessando o nosso calendário editorial para dar visibilidade a uma mulher incrível que teve a sua vez e a sua voz silenciada.

Não menosprezamos as milhares de mulheres que sofrem todos os dias. Marielle foi aquela pausa no dia a dia, aquele chacoalhão na rotina, para que a gente não se esqueça jamais de que o genocídio existe.

Para que a gente perceba o quão paradoxal é a nossa existência enquanto mulher: a violência revelando traços de sororidade. A injustiça despertando solidariedade. O inacreditável ganhando apoio e causando indignação. Porque somos MUITAS. E vamos JUNTAS.

A história de Marielle Franco não acaba aqui. Apagaram sua luz, mas acenderam outra em nós. Cortaram-na pela raiz, mas esqueceram que somos sementes e que iremos brotar.

Uma história não morre quando é repassada. Quando é recontada. Quando é disseminada e desperta o melhor ou o pior em nós. Quando permanece na mente das pessoas, quando compartilham, quando as pessoas se sentem tocadas por ela. Quando reagem por causa dela. Marielle fez história. Se tornou a morte que movimenta a vida. E porque não deixaremos esse caso passar, Marielle VIVE.

Em nós. Por nós.

Que a narrativa dela não tenha sido escrita em vão.

#MariellePresente #NemUmaAMenos

(Texto escrito especialmente para o Facebook da Narrative).

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