[Não tem vitimismo aqui nem dose homeopática de realidade. Não importa se você está trabalhando, se parou ou ainda não conseguiu se recolocar no mercado. Depressão não escolhe momento. Ela vem. Domina. E costuma ficar.
Não é coisa de gente fresca, que reclama à toa, não é falta de surra. Não é coisa de quem não tem força de vontade: esses malditos clichês que pioram tudo. Se você acredita neles, pode parar a leitura por aqui. Obrigada. De nada.]
O despertador toca às sete da manhã.
Você abre os olhos. E volta a dormir. Ele volta a tocar. Você o desliga. Mas ele volta. Você não desligou realmente. Há um dilema. Dorme. Acorda. Dorme. Levanta: está atrasado. De novo.
O caminho até o trabalho, antes prazeroso, é mortificante. Você olha para as pessoas ao seu redor e não entende como elas estão tão sorridentes, porque a vida para você anda tensa. Seu corpo anda tenso. Alguma coisa não vai bem.
Você faz a sua parte, porém: veste a sua máscara. Às vezes dá vontade de desistir no meio do caminho. Mas você segura e vai.
Você pensa nas contas, na escola dos filhos, na família. Na comida que está acabando. Você tenta ser grato por ainda ter um trabalho, em meio a um cenário desesperador de crise, você realmente tenta ser grato por ter um local para ir, tanta gente que queria estar no seu lugar…
Mas não é assim que funciona. Não é assim tão simples.
E tem mais: a empresa na qual você está é um lugar bacana. Lá você fez amizades, você se sentiu importante, você deu o seu melhor. Você recebe em dia, e pode contar com vários benefícios. Tem convênio com a academia, tem plano de saúde, vale-alimentação e muito mais.
Ainda assim, ir trabalhar tem sido um suplício. Seu caminhar é arrastado, e você quase pode ouvir o som de correntes, como se estivessem atadas aos seus pés. Você quase não pode aguentar. Mas é quase.
A rotina do expediente segue. Você não é um mau funcionário. Mas o que dizer da hipocrisia de corredor que você vem praticando?
Você passa, sorri, às vezes anda rápido, porque parece que por fora está literalmente derretendo de tristeza. As pessoas te cumprimentam, o velho “Oi, tudo bem? Tudo, e você? Eu vou bem! Ah, eu também!” se mantém. Suas respostas são automáticas.
Algumas pessoas, mais antenadas, comentam que você tem andado esquisito, meio caladão. Que você não tá sorrindo como antes. Que foi, brigou com a patroa? É, é isso aí. Você fica feliz quando colocam palavras na sua boca, assim você não precisa dizer mais nada, assim não é preciso se explicar.
Você tá ficando bom nesse negócio.
No refeitório, sua tática é implacável: você foge das pessoas como o diabo foge da cruz. A partir do meio dia as pessoas saem para o almoço, mas você vai às duas da tarde sem reclamar. Por azar ainda encontra uma alma ou outra. Mas uma ou outra é melhor que meio mundo almoçando e assistindo tragédias na TV. Quem precisa disso? Você é a própria tragédia.
Você não quer saber de nada. Nada de bater papo, nada de perguntas do tipo “E aí, como vai a vida?”, porque qualquer pergunta é capaz de te fazer cair num choro descontrolado. Você não sabe explicar, você só sabe que dói.
De volta à sua sala. Na sua mesa, no seu setor, tudo é branco demais. Vazio demais. Você não vê sentido em sentar-se à frente de um computador e executar algo que antes você curtia. Que antes você resolvia em questão de segundos.
Você vai perdendo a sua capacidade de se concentrar. Responder um simples e-mail pode levar mais de meia hora. Você tem medo de que percebam a sua infelicidade nas entrelinhas. Há uma constante sensação de estar pisando em ovos.
Você não sabe mais como caminhar, você não sabe mais como ser alguém de quem os outros vão se orgulhar. Se arrumar? Você já nem lembra a última vez que passou perfume com vontade, e não só por passar. Não tem batom, não tem gravata, não tem roupa da moda que te faça sentir melhor.
Os intervalos são a sua salvação. Muitas vezes utilizados como refúgio para o desespero e a vontade de sumir, que podem vir assim, do nada, no meio do expediente.
Lidar com qualquer tipo de hostilidade te parece impensável. Ninguém pode chegar e te perguntar “Que cara é essa?”, ou pior, falar no diminutivo: “E essa carinha?”. Os olhos já pesam, tudo fica difícil demais de controlar.
Você está à beira de um ataque.
Você conta os segundos para ir embora. Você passa a se isolar e pode parecer indiferente com os colegas. Se antes você ria de qualquer piada ou besteirol que inventavam no setor, hoje já não consegue achar graça. Você dá um sorrisinho forçado.
Hora de ir pra casa: você passa e não dá “tchau”. Por vezes, cumprimentar também vira um sacrifício. Porque não é aquele grupo de pessoas que você não quer encarar: é você mesmo.
Você perdeu a vontade. O propósito. Ou talvez nunca o tenha encontrado de verdade. Você começa a se perguntar o que está fazendo e qual é o seu papel.
Reuniões? Socorro! Qualquer coisa que te soe como reunião desperta em você os sentimentos mais primitivos. Você quer se fechar e abolir a comunicação direta. Você fica apático e desinteressado. Interesse mesmo, só na sua cama. Ah, a sua cama… a coisa mais maravilhosa que já inventaram. E você nem precisa de remédio para dormir: você simplesmente apaga. É tanta dor, que você apaga. E a hora de apagar é sempre a melhor hora do dia.
Tudo vai te cansando. A vida te cansa. Acordar te cansa. Responder te cansa. Recusar convites te cansa.
Porque a vida acontece, você estando bem ou não. E as pessoas vão te convidar para as coisas, ainda assim. Você vai recusar. Sair? Não posso. Tomar um café e trocar uma ideia? Agora não. Conversar sobre aquele cliente? Ih, não vai dar. Não, não, não. Não, obrigado. Não, eu tenho que ir. Hoje não. Amanhã quem sabe.
E parece que essa vida fria e sem sentido nunca mais vai acabar…
Mas ela pode – e deve – acabar.
Uma coisa, porém, é certa: só acaba quando você quiser. A vida está passando e o controle remoto está nas suas mãos: qual botão você vai apertar? Nesse caso, dar play é continuar o pesadelo. O pause é quem vai te ajudar a botar a cabeça no lugar, ainda que apenas por uns instantes. E o stop é a cartada final. É aquele pontinho brilhante no fim do túnel. STOP. Acenderam a luz do quarto em que você se escondia: é hora de tomar uma decisão.
Ué, cadê a máscara que estava aqui? Sumiu…
Hora de encarar a realidade.
O caminho é longo, tortuoso, mas é a partir do reconhecimento que você começa a se curar. Tem jeito sim. Pode chorar. Admita que as coisas não estão legais e que você desanimou. Admita e busque ajuda. Pode escancarar.
Nessas horas doloridas não há espaço para etiqueta nem boas maneiras: chama o chefe, o supervisor, conta para um amigo, se descabela no RH. Converse com alguém JÁ. Saia de si. Você precisa explodir. Você precisa falar. Extrapole. É da sua saúde mental que estamos falando, é do pico doentio ao qual você chegou, não é da próxima meta a ser alcançada na empresa! Nada mais importa.
Você adoeceu gradativamente e a empresa não reparou? Mostre a ela. Abra-se. Fale de você e não culpe ninguém. Bola de cristal ainda é coisa de história em quadrinhos, então coloca pra fora tudo isso que está doendo e que você achou que ninguém devia saber.
Até porque, se precisou dessa novela toda para você finalmente perceber o quanto se encontra no fundo do poço – afinal, só você sabe o que realmente se passa aí dentro – o inverso também é verdadeiro: você entrou nessa, então só você pode sair. Não espere piorar para alguém (talvez!) notar. Esqueça a vergonha. A iniciativa TEM QUE partir de você.
Perceba-se, e verá que a busca por ficar bem já começou. E que existe muita gente disposta a te estender a mão.
Não perca as esperanças. O mundo é feito de várias preposições e um único substantivo comum: é feito de pessoas, com pessoas, para pessoas, entre pessoas e por pessoas. Dificilmente a gente sai de uma roubada sozinho.
Então respira aí que tá tudo bem. E se não está… respira de novo, porque VAI FICAR. Você reconheceu. O primeiro passo está dado.
E o que eu te digo agora?
Justamente o que eu disse a mim mesma algum tempo atrás: bem-vinda(o) a uma eterna luta entre você e você mesma(o). Que a vida acabou de começar – outra vez.
♥