Fui rapidamente atraída pelo nome do livro: ~Quando sentir, escreva~. Isso me soou familiar, porque não importa o que estou sentindo: escrever é minha válvula de escape.
Minutos antes da compra, eu havia comentado um post da autora, Gabriela Araujo, aqui no LinkedIn, em que ela falava sobre o livro.
Fui conferir a descrição dele no site da Amazon e não deu outra: comprei.
Decidi não ler pelo Kindle Unlimited: preferi pagar para tê-lo sempre, a qualquer momento, porque algo me dizia que eu ia gostar.
O que eu recebi, enquanto lia, foi muito mais que um abraço. Uma partilha dolorida, única, verdadeira, de uma mulher sensível que encontrou na escrita a melhor forma de se preencher e se esvaziar.
Sensibilidade à flor da pele: temas abordados no livro
Gabi (sim, já me sinto íntima) escreve com muita propriedade sobre situações e sentimentos que experimentou. Depressão, suicídio, relacionamento abusivo, autoamor, família e racismo são alguns dos temas que ela aborda, ora sutil, ora escancaradamente.
O convite para mergulhar em sua narrativa, logo no início, é lindo:
Pois se quiser entrar, demore-se. (Condição de uso)
Por diversos momentos, tive a sensação de ser levada pela mão, como uma criança que passeia num parque escuro e sabe que, no fim, haverá luz.
Sendo alguém que enfrenta depressão, me senti representada em trechos como esse:
Que angustiante pensar que enquanto alguns parecem comer determinação no café da manhã, executar planos no almoço e produzir sucesso ao jantar, vivo em um constante jejum que me deixa sem forças para sair do lugar. Devo estar em ponto morto porque a máquina não quer mais funcionar. (Ponto morto)
Esse também:
É absurda a ideia de que sangramos tantas vezes pela mesma ferida e continuamos vivos. (Hemorragia)
Esse, então, acelerou meu coração:
Sinto saudade da destreza de sonhar. Saudade daquela crença de que há mais e que se pode mais, de que merecemos mais, de que conseguiremos mais. Sinto saudade da saudade de mim. Saudade daquela garra de não desistir, de levantar quando cair, de saber para onde ir, de cantar e de sentir. Sinto saudade de viver. (Daquilo que foi)
Vai dizer que você não se arrepiou?
Foto ~surrupiada~ do Insta da própria Gabi (@gabriela_.araujo)
Sigo encantada com tudo que li.
Ler mulheres, sobretudo negras, é importante e revelador para mim, porque embora tenha crescido no meio literário, com acesso a livros e tudo o mais, permaneci no raso, idolatrando a literatura branca e masculina, que se faz mais incômoda do que nunca.
Por que ler mais escritoras negras?
Este ano, resolvi que só leria mulheres. Sem esforço, tenho conseguido cumprir essa ideia, porque a identificação, durante as leituras, é instantânea.
Porém, quando me dei conta de que havia mais mulheres brancas na minha lista, algo acendeu aqui dentro.
A literatura negra é uma fatia muito pequena do mercado editorial e do meio literário. Se falarmos especificamente de mulheres, essa fatia se torna minúscula. Por isso, é fundamental modificar a hegemonia masculina e branca que dominou a cultura.
Por séculos, as mulheres foram impedidas de se manifestar cultural e socialmente, mesmo sendo brancas. Ler e escrever eram consideradas atividades perigosas para as mulheres.
Aos poucos, elas conquistaram seus lugares, embora ainda tenham que se submeter a um cânone literário machista e não inclusivo, ou se sujeitar a pseudônimos masculinos, ou, ainda, abreviar as primeiras letras de seu próprio nome para serem levadas a sério, como foi o caso de J.K. Rowling, autora da saga Harry Potter.
Se as mulheres brancas ainda buscam por mais reconhecimento na literatura, você consegue imaginar como ficam as negras?
Por que ainda não é tão fácil encontrá-las em eventos literários ou exaltá-las? Por que não é natural observar o mundo sob a ótica de pessoas negras, ainda mais no Brasil, que carrega tanto da cultura afro?
Os livros e escritores consagrados, em sua maioria, são homens. São brancos. São elitizados.
Dar voz e visibilidade a escritoras negras é desafiar o discurso que marginaliza outras identidades.
Ler mais escritoras negras é empoderador não só porque abre espaço para a diversidade cultural, mas principalmente porque tira de nós, brancas, uma limitação na forma de pensar.
Fomos acostumadas a enxergar o mundo sob uma única cor. Fomos acostumadas a não questionar o apagamento histórico daqueles que não se parecem fisicamente com a gente.
Ler mais escritoras negras é não silenciar diante do racismo que estrutura as células doentias da nossa sociedade.
“Quando sentir, escreva”: o livro da Gabi Araujo é indicado para todo mundo? NÃO!
E ela mesma deixa isso bem claro nas primeiras páginas, o que demonstra uma empatia enorme por pessoas que estão vivenciando distúrbios mentais.
Portanto, se você duvida das pessoas que sofrem de ansiedade e depressão, não leia.
Se você não consegue se colocar no lugar do outro, não leia.
Se você acha que uma mulher não pode escrever tão bem quanto (ou melhor que) um homem, não leia.
Se você tá passando por um momento complicado, com o astral lá embaixo, tendo ideias suicidas, não leia.
Se você ainda não faz terapia para lidar com seus traumas, não leia.
Se você não sabe ver beleza num pôr do sol ou no desabrochar de uma flor, não leia.
Se você acha que é simples sair de um relacionamento abusivo, não leia.
Se sensibilidade é sinônimo de fraqueza para você, não leia.
Se você não quer ver o mundo sob novas perspectivas, por favor, não leia.
Calma, pessoa: tudo tem a hora certa
Por mais esquisito que possa parecer, sigo acreditando que tudo surge na hora certa. Livros, pessoas, ideias.
Se eu tivesse lido o livro da Gabi no início do meu tratamento contra a depressão, três meses atrás, não teria sido bom: eu estava muito fragilizada.
Agora, caminhando para o quarto mês de tratamento, tomando três comprimidos antidepressivos por dia, conseguindo ver beleza onde eu não via, conseguindo voltar a sorrir como eu não sorria, esse livro me cai bem.
Admito: eu não o li sem dor. Chorei em alguns trechos, porque vi nas entrelinhas alguém lutando e procurando por si mesma, coisa que eu também venho tentando fazer.
Esse livro não é feito de tristeza, porém. É feito de cortes. De podas e sementes. De chuva e de sol.
Nos deixamos cortar, para florescer melhores. Assim como a Gabi, eu me descobri natureza.
Tenho aprendido a olhar para mim e resgatar um amor que só eu posso me dar.
Como a Gabi escreveu:
Nada é melhor do que se descobrir natureza e logo encontrar o valor em se preservar.
Por tudo que esse livro e suas palavras significaram pra mim: obrigada, Gabi.