Você me pediu pra ficar de costas: combinaria mais com aquela luz. Fotografou, discursou e por achar que teu direito vai muito além de captar um momento, me tocou. Estremeci, e como defesa disse que eu tinha namorado: porque aprendi desde cedo que essa fórmula funcionava. Você retrucou que não havia problema, afinal, ele não ficaria sabendo.
Me senti desconfortável, mas já estávamos completamente nus: eu na minha pele, e você como o repugnante que é. Entre risos e elogios, você empunhava a câmera, e talvez mais alguma coisa que eu não estivesse vendo, porque rir era a tua arma favorita. E pra quem sabe ler, o riso é um disfarce. Você ria, na tentativa de dissolver a minha aflição. Encarnou um personagem com a câmera na mão, e muitos outros depois das fotos prontas. Fui mais uma pra tua coleção. Me tratou como boneca, pedindo pra analisar meu corpo antes mesmo da gente se encontrar. Queria ver se eu me encaixava num padrão – e não aliviar a busca pelo corpo perfeito. Não enxerguei tua proposta a tempo. Mas, revelando o melhor de mim, revelei o pior de você. Manipulador. Machista. Egocêntrico. Narcisista.
Com quantas mulheres se faz uma boneca inflável? De quantas mulheres foi preciso abusar para se sentir melhor? Quem é você diante de uma mulher? Você fez de mim um objeto usável, e agora que tudo veio à tona, eu me tornei inflamável. Admitir não basta. É insuficiente se desculpar: gente como você não muda enquanto não queimar. Sinta a ironia: eu tirava a roupa, sem pudor, mas diante de tudo, é você quem não tem coragem de se expor! Típico de palhaço fazer palhaçada. Agora taí, tentando se esconder. É que no fundo você sabe: uma mulher que não se cala tem poder. A voz de uma é a voz de muitas, e só gritar não dá prazer. Então acenda a luz, pois queremos te foder. E relaxa: como você dizia, não vai doer.
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[Este texto é a base do episódio 3 do meu podcast! Clique aqui para ouvir].