Não suporto injustiça: dependendo do caso, já vai me dando uns calafrios, uns ataques de nervos. Sempre foi assim, mas, em 2020, a coisa ficou grave.
Minha síndrome de salvadora deu as caras. Meu desespero dobrou.
Diante de tantas pautas difíceis que vieram à tona neste ano, eu me vi querendo dar conta de todo o mal que há no mundo.
Por mais que eu tenha tentado, não deu certo.
É por isso que vim conversar sobre saúde mental, posicionamento e as infinitas batalhas virtuais.
Atrás das telas, todo mundo é um leão
Tenho cara de pessoa fofa e centrada, mas sou muito mais ácida e nervosa do que parece.
Nas redes sociais, já comprei várias brigas: falei de abuso sexual, fotógrafos e escritores machistas, racismo, (des)governo, Marcha das Vadias, homofobia, espiritualidade de meia-tigela, padrões de beleza inaceitáveis, familiares tóxicos, enfim, já abracei diversas causas.
Apesar de sentir que estava cumprindo meu papel de pessoa sensata e justa, a verdade (que eu só enxergo hoje) é que nada disso me fez bem.
Atualmente, meu questionamento é: se eu não falaria ou agiria com essa raiva na frente das pessoas, por que me sinto confortável de escandalizar na internet? Atrás de uma tela, todo mundo é um leão. Mas, cara a cara, essa pose dificilmente se mantém.
Os benefícios de ser muito reativa? Não sei. Os tumultos que causei me trouxeram apenas mais pessoas raivosas, mais medo, mais desesperança.
Não nego que alguns debates foram muito valiosos. Por meio deles, conheci pessoas incríveis, que me ajudaram a abrir a cabeça.
Mas, de modo geral, o saldo não foi positivo. Algumas discussões me deixavam de cabelo em pé, com vontade de fugir para as montanhas.
Ah, é: e ainda tiravam toda a minha energia para trabalhar e produzir conteúdo. Eu perdia a força, a fé, a vontade de continuar.
Entrei num ciclo terrível: se abraço tudo que me dói, fico mal; se fico mal, não produzo; se não produzo, não pago os boletos; se não pago os boletos, me sinto ainda pior e sou facilmente atingida pelo caos externo, logo, volto a abraçar o que é difícil.
Não sei por que colocamos na cabeça que, atrás das telas, estamos mais seguras. Que, já que ninguém está olhando no olho um do outro, podemos dizer e fazer qualquer coisa.
Já percebeu que nenhum hater tem um perfil real? Eles precisam se esconder, colocar uma imagem falsa e não mostrar quem realmente são para expressarem seus discursos de ódio. Sempre me pergunto se, fora do virtual, teriam coragem de fazer o mesmo.
Falta de posicionamento = falta de fazer story todo dia sendo contra algo?
Outro ponto que considero prejudicial, sobretudo para quem cria conteúdo, é a cobrança para se posicionar a respeito de tudo.
Às vezes, isso chega por meio de pessoas que nos acompanham na rede, e, às vezes, somos nós que começamos a questionar se não deveríamos falar algo sobre o assunto do momento.
Tá muito fácil ~cancelar~ alguém porque esse alguém não pensa como nós. Difícil é olhar para nós mesmas e entender de que forma podemos contribuir, sem atacar e ferir os outros.
Demorei para entender que o meu trabalho, como criadora de conteúdo, não inclui divulgar e analisar notícias ruins.
Demorei para entender que precisava ser mais consciente na hora de compartilhar minhas reflexões. Afinal, eu estava gerando mais desespero ou mais calma nas pessoas?
O negócio foi buscar o equilíbrio e parar de pegar as dores do mundo pra mim.
Me dói saber quantas mulheres são estupradas por minuto? Muito.
Me dói assistir o que estão fazendo com nossas florestas? Com certeza.
Me dói ver um governo desumano? Demais.
Mas eu não quero me sentir culpada por não postar stories todo dia sobre o que me incomoda.
Se posicionar ou não? Eis a questão
Deixe que cada um descubra o quanto isso lhe faz bem.
Não faça como eu, que cheguei em amigas minhas e mandei: ~Por que você não tá refletindo sobre essa m*rda? Por que você tá calada ao invés de lutar comigo? Por que você ficou quieta diante desse absurdo? Achei que você era mais humana!~.
Descobri que não é assim que funciona. Não é assim que se convence as pessoas. A raiva afasta.
Sei que é duro aceitar que algumas pessoas simplesmente não conseguem (ou não querem) reagir. Sei que é desanimador sentir como se ninguém desse importância.
Mas peguei uma linha de raciocínio que pode te ajudar.
Escolhendo suas batalhas virtuais: onde você é mais potente?
A pergunta é: como você pode contribuir com o mundo e servir as pessoas, apesar de tudo? Apesar da dor, das notícias, do medo, das doenças, das tristezas que cortam o coração, o que você ainda pode oferecer?
Não dá pra lutar todas as batalhas. Eu tentei fazer isso e, ó, não recomendo.
Me desesperei, gritei, quis chacoalhar todas as pessoas que não enxergam o que eu enxergo, quis incendiar tudo, colocar o mundo de cabeça pra baixo. Até entender que só posso fazer isso no meu próprio mundo.
Portanto, acalma esse coração. Foca no que você é boa, no que te eleva, no que te inspira, sem medo de parecer insensível aos olhos dos outros.
Não é que você não se importe. Não é que você não ligue. Não é que você não sinta um aperto ao ouvir as notícias ruins. Não é que você não tenha vontade de quebrar tudo. É que não está ali, na disseminação do ódio, da raiva, a sua potência. Não está ali, no grito, na exposição, a sua força.
Seja potente onde você dá conta.
É o tal trabalho de ~formiguinha~ que minha avó sempre fala, quando compartilho com ela minha frustração por não conseguir mudar o mundo.
Sei que rola uma culpa quando você não se posiciona e sou a primeira a admitir porque, além de me sentir culpada, fui responsável por fazer outras pessoas sentirem o mesmo.
Mas é preciso colocar a sua saúde mental na frente disso tudo.
É preciso esquecer essa culpa por querer respeitar a sua sensibilidade frente às tragédias.
Dizem que está nas nossas mãos fazer um mundo melhor. Discordo. O mundo é grande demais e a gente, um grão de areia.
Mas, com certeza, está nas nossas mãos fazer o NOSSO mundo melhor.
Aquele mundo onde a gente cuida da nossa mente e estabelece limite para o caos. Aquele mundo onde a mão alcança e você se sente realizada e orgulhosa das suas ações, pois sabe que está fazendo a diferença, mesmo que seja só um pouquinho por dia.
No fim das contas, minha avó tem razão: foco no trabalho de ~formiguinha~.