Pela primeira vez na vida, eu saí completamente sozinha. Demorei. Enrolei. Mas consegui. Eu vinha criando coragem: li até manual de como sair sozinha sem parecer tão ridícula. Porque sabe como é, tem todo esse paradigma em cima, e a nossa própria vergonha. […]
Era meia noite. Olhei a vista linda do meu quarto e as luzes da cidade universitária. Uma brisa, nada muito frio, e ouvi risadas, conversas no café. Ouvi música. Decidi sair, sem pretensão. Eu ia apenas dar uma volta. A Praça da República fervia de gente por todos os lados, mas eu caminhei com destino certo. Aquele lugar. Um tanto vazio, mas a banda de música brasileira já tocando. Não desisti. Entrei sorrindo e fui direto para o bar. Aquele ~barman~ simpático veio me atender. Disse-lhe que ainda não tinha pensado no que queria, e ele sorriu. Me senti figurinha carimbada quando ele estendeu o copo: “Cerveja com groselha, né?” É. Isso mesmo. Bebida fraca, mas que eu tinha aprendido a gostar. Aos poucos, o ambiente foi ficando apertado. O povo foi chegando, e eu virei o copo todo antes de fechar os olhos, sentir a música e começar a dançar, confiante.
No intervalo da banda, notei um rapaz me observando, sorrindo pra mim como se me conhecesse. Não o reconheci. Mas, quando dei por mim, estávamos conversando. Papo vai, papo vem: ele me pagava o terceiro copo de bebida. Não demorou muito: ficamos. Ele sabia conversar, me fazia rir, e isso sempre foi o meu afrodisíaco preferido. Era esperado: ele me convidou para ir até a casa dele. Aceitei. No táxi, eu me dizia mentalmente que ficaria tudo bem, e que eu não era obrigada a nada. Visualizei só coisas boas no caminho. Chegando lá, meu queixo caiu. O apê era simplesmente incrível: fina decoração, plantas ornamentais, velas e incensos nas estantes. Ele colocou uma playlist gostosa pra tocar. Da varanda, eu disse que tínhamos nos dado bem no gosto musical, ao passo que ele se aproximou, me pegou delicado pela cintura e respondeu, com suavidade na voz e firmeza no olhar: “Algo me diz que não é só no gosto musical”.
Sorrimos. Ele começou a me beijar e quando percebi, estávamos na cama. Acabei me lembrando que eu já o conhecia: ele era amigo do meu ex. Fazia pelo menos um ano que tínhamos nos encontrado num jantar, quando eu ainda namorava. A relação com o meu ex não tinha acabado bem: senti o desejo de vingança crescer, ali, na cama dele. A verdade é que tinha tudo para ser bom. Ele tinha quase tudo para me impressionar. Mas, macho que é, preferiu ficar à vontade na sua estupidez. […]
Quando recusei determinada posição, ele mandou logo: “Que foi, feminista não dá de quatro?” Ah, essas crenças… Mandou mal, gato. Inventou de mexer comigo, com o meu íntimo, inventou de abrir a boca pra falar asneira ao invés de utilizá-la em coisa melhor. A pergunta ficou ecoando na minha cabeça. Não era a primeira vez que eu ouvia isso. É incrível, mas os caras realmente não têm noção do poder de uma pergunta na hora errada. Não tive vontade de continuar. Ele insistiu e ameaçou dormir se eu não quisesse mais. Sorri e devolvi um irônico “Sinta-se em casa” e ele logo pegou no sono.
Fui pra varanda meditar sobre aquilo tudo. Eu estava usando uma camiseta dele, bem comprida e confortável. Dei uma olhada ao redor, no estilo do apartamento: o cara era um playboy. Tinha pegada, sabia conquistar, sabia envolver, mas era só. Melhor que ficasse de boca fechada. Como sempre, as máscaras caem. Eu também não devia ter passado uma boa impressão: me levou pra casa achando que eu era tapada e de repente tô virada num bicho. “Vai entender essa mulher”. Ninguém adivinharia. Dei um tempo ali porque o lugar era mesmo lindo e eu provavelmente não voltaria a ver aquela paisagem. Fechei os olhos e me perguntei se eu estava arrependida da minha primeira noite só. Não estava.
Lentamente, comecei a caçar minhas roupas no chão. Roubei uma fruta da cozinha e esperei o amanhecer. Olhei pra ele, desmaiado. O meu último copo de cerveja com groselha pela metade, no criado-mudo. Era uma relação líquida… o que eu queria? São tempos líquidos. Da mesma forma que começou, terminou.
Pronta para sair, fui acordá-lo: “Hey, tô indo embora”. Ele sonolento: “Mas já? Não vai não, fica aí”. É preciso discernimento para entender que aquilo era pura educação, não real vontade. Caminhamos até a porta, ele esfregando o olho, ainda teve a audácia de dizer: “Me liga, gata”, mas eu também tive tempo de responder, com uma piscadinha e um sorriso de quem não vai ceder: “Quem, eu? Me liga você… gato.”