Como a depressão afeta meu processo criativo

A última vez que publiquei um artigo foi na metade de junho. E não é por falta de querer ou não saber o que escrever.

Essa é a ironia de quem vive na pele algum distúrbio mental. Essa é a dor: ter o mundo nas mãos e não saber como segurá-lo.

Minha mente é uma fonte inesgotável de ideias. Tenho artigos pela metade e outros quase prontos, só aguardando revisão. Assunto nunca falta, ainda mais para quem sente todas as dores do mundo.

Eu nunca sofri para criar um banco de ideias ou preencher uma planilha de conteúdos. Nunca me liguei naqueles posts com “30 ideias de conteúdos”, porque minha cabeça já faz isso por mim.

Soa contraditório, mas, apesar de depressiva, tenho uma cabeça muito boa.

Nunca vivi aquela aflição de pensar “E agora, sobre o que eu vou falar?”. Há sempre tanto por dizer. Tenho tanto pra falar… mas nem sempre consigo.

Pelo menos, não no tempo que eu quero.

Depressão e criatividade: uma relação paradoxal

Há algum tempo comecei a pesquisar a relação entre criatividade e depressão. Encontrei matérias e estudos incríveis a respeito e conversei também com minhas terapeutas sobre essa questão.

Uma delas confirmou que os circuitos cerebrais ligados ao desenvolvimento da criatividade são os mesmos que os das doenças mentais. Logo, a criatividade pode ser uma resposta a essas doenças.

Puxa… confesso que foi difícil, pra mim, engolir essa. Nem consigo dizer que sou doente mental, porque isso me parece um ultraje. Mais bonito dizer que sou uma escritora com sensibilidade ímpar, enfrentando ansiedade e depressão numa sociedade quadrada.

Isso significa que, para ser criativa, é preciso viver algum processo doloroso classificado como doença mental? Claro que não. Significa apenas que experimentar depressão pode acelerar o processo criativo de muitas formas.

Se quer saber, vejo tudo isso como um paradoxo: adianta ser criativa, escrever lindamente e, no horário combinado, achar a criação uma droga e preferir continuar na cama, longe de tudo e de todos?

A depressão nos coloca frente a frente com nossos maiores medos. É um convite para mergulhar.

Sabe essa ladainha do “tire um tempo para você, fique mais consigo mesma?” que tanto tem se falado desde o início da pandemia?

Isso só serve para quem aprendeu a viver no piloto automático e se conformar. Para quem sente demais e segue procurando diferentes formas de ser e estar no mundo, um “conselho” desses não faz nem cócegas.

Artistas são pessoas que já convivem consigo mesmas há muito tempo. A depressão, no caso, pode ser fruto dessa observação constante do mundo e de si mesmas. Pode ser fruto do sentimento de inadequação que geralmente invade pessoas mais sensíveis.

A criatividade seria a resposta para um mundo ideal. Para chacoalhar as ideias fixas, pré-concebidas, que não fazem sentido nenhum.

Olhando por esse lado, nada mal, né?

Na prática: como a depressão atrapalha o processo criativo

Eu disse que era uma relação paradoxal.

Criar pode não ser um problema para quem sofre de depressão, mas colocar no mundo, sim. Pode ser muito difícil acreditar que você é boa o suficiente e merece ter o seu trabalho reconhecido.

Minha psicóloga especialista em suicídio diz que a depressão é muito amiga da inércia e da procrastinação. Sua vontade de crescer e expandir uma ideia ou um projeto é grande, mas, se não começar a se tratar, você sempre será convencida do contrário.

A depressão costuma te encontrar numa cama quentinha, com as mãos entre as pernas, parecendo uma criança, coberta até as orelhas, e alisa suas costas, dizendo: “Isso mesmo, fica aí, quietinha. Ninguém quer saber o que você pensa ou o que pretende criar agora. Você não faz diferença. Melhor dormir”.

O processo criativo pode ter começado a nascer e até já ter ganhado forma e consistência, mas é brutalmente interrompido pela autoestima baixa e falta de autoconfiança. Essas coisas que só a depressão é capaz de fazer por você.

A solução? Não sei.

Na verdade, não sei se há uma única coisa a ser feita. Tenho tentado uma série delas. Terapia. Ler Brené Brown. Fazer uma lista de todas as coisas bonitas que já me disseram. Ouvir áudios de reprogramação mental. Praticar yoga. Deixar de seguir todas as pessoas (inclusive as que gosto) em rede social. Planejar uma viagem arriscada para poder abraçar pai e mãe outra vez. O bolo de chocolate da padaria. Mais terapia. Enfim.

Tá desgastante procurar a saída e perceber que, talvez, ela não exista. Que talvez o segredo seja assumir que não há segredo algum, a não ser continuar vivendo – e criando – da melhor forma possível.

Quando a depressão dá um tempo, me pego fazendo exatamente isso: jogando meus pensamentos no mundo, na esperança de que outras pessoas se identifiquem e venham me contar como, apesar de criativas e depressivas, elas têm feito para sobreviver.

2 pessoas se atreveram a comentar

  • Demorei um tempo para admitir isso. Então encontrei seu texto e a cada linha parecia que você estava falando diretamente comigo. Há universos inteiros dentro da minha cabeça, idéias que nunca param de nascer e um corpo que não consegue colocar isso tudo pra fora. Nunca há tempo o suficiente (ansiedade) ou não há vontade alguma de fazer (depressão). É cíclico, desgastante e uma luta eterna.

    • Sinta-se acolhida, Lara. Fico feliz que o texto tenha falado com você, faz bem quando a gente se identifica. É uma luta eterna mesmo, que eu ainda vivo. Mas estamos aí, tentando! Desejo muita força para você. Sei que não é fácil, mas tomara que os dias difíceis sejam a minoria 🙂