Cresci ouvindo diversas mentiras sobre saúde mental. Ainda criança, eu acreditava que manicômios eram lugares legais e que depressão era um negócio esquisito, uma espécie de ~frescurite~, que acometia aqueles que não conseguiam se fixar num emprego ou manter o casamento.
Suicídio, então, sempre foi um tabu na minha família. Era difícil falar sobre o assunto, mesmo quando um primo mais velho decidiu tirar a própria vida. Lembro de não ficar chocada com o ocorrido: ele vinha dando sinais.
Mais que isso: eu me identificava com o que ele vivia e também tinha o desejo de morrer.
Ideação e crise suicida: qual a diferença?
Aprendi, com a ajuda da minha psicóloga, a entender a diferença entre ideação e crise suicida. Isso pode ser útil quando estamos lidando com alguém que não está legal.
Ideação suicida é algo que vivencio desde a adolescência. Ideação inclui pensamentos de ~será que vale a pena continuar vivendo?~, ~será que sentiriam minha falta?~ até nuances e vislumbres da situação.
Na imaginação, você visualiza o que quer fazer, você cria todo o cenário, enquanto pensamentos autodestrutivos acompanham e reforçam a sua ideia.
Crise suicida é quando a alma atinge o completo desespero. É a ponte para a concretização, fria, certeira, do ato. É quando você perde a dimensão exata da dor e conclui que a morte pode ser a saída.
Lembrando que nenhuma ideação ou crise acontece ~do nada~. O que leva alguém a cometer suicídio é multifatorial. A real é que o suicídio, em si, é apenas a ponta do iceberg. Tudo que vem antes dessa decisão precisa ser considerado.
3 mitos sobre suicídio
Penso que a dificuldade que temos de falar sobre suicídio contribui para ele continuar acontecendo. Sem contar os mitos, passados de geração pra geração… como se fosse pecado falar da morte em vida.
Enquanto se vive, não há escapatória: é preciso aprender a lidar com a ~indesejável~.
Por isso, escolhi quebrar 3 mitos perturbadores sobre suicídio. Identificar os sinais de alerta não é vergonha: é uma demonstração de empatia e carinho, seja consigo mesma ou com qualquer pessoa em sofrimento.
1. ~Quem pensa em se matar vive triste e cabisbaixa~
MITO: a tristeza não é regra. Quem está sofrendo experimenta sentimentos diversos e muita oscilação, e pode, sim, se mostrar muito sorridente, amável e feliz.
2. ~Quem realmente quer se matar, não dá aviso. O suicídio é impulsivo~
MITO: é de uma tremenda ignorância proferir uma frase dessas. Antes do ato, a maioria tenta se comunicar. Suicidar-se quase sempre inclui planejamento, mensagens de despedida e providências para ficar completamente sozinha. É importante dar atenção a quem desabafa com você.
3. ~Falar sobre suicídio pode induzir alguém ao ato~
MITO: quanto mais informação, melhor. Claro que é preciso bom senso e cuidado ao falar sobre o assunto, mas não deixe de conversar a respeito por medo de ~induzir~ alguém a fazer isso. Acredite: quem sofre já está pensando nisso há muito tempo.
Estágios emocionais para ficar de olho
Você sabia que, embora haja planejamento na maior parte dos casos, o impulso final de se matar pode durar apenas alguns minutos?
Isso indica que é possível prevenir e auxiliar a pessoa em desespero. Como? Colocando-se à disposição dela. Reforce que ela tem para onde correr e pode contar com você, de verdade, a hora que for.
Observe comportamentos de autoagressão: se cortar, se machucar, morder, ferir são indícios de grande sofrimento. Repetir frases negativas sobre si mesma e sentir como se o chão estivesse sumindo sob os seus pés pode ser, inclusive, indício de uma crise, em que o risco de suicídio é altíssimo.
Durante a crise suicida, os estágios emocionais perpassam a dor na alma (desespero completo), ambivalência (vontades contraditórias), impulsividade (decisão) e rigidez (conhecida como estreitamento cognitivo, no qual a pessoa não consegue ver opções além do suicídio).
A prevenção é o melhor caminho, acontece que nem sempre dá tempo. É por essas e outras que precisamos, sim, quebrar os mitos e falar sobre suicídio como falamos de amor, de sexo, de autoconhecimento.
Sei (e acredito) que a vida é sagrada, mas não descarto a morte, nem no sentido figurado. O ciclo é vida-morte-vida.
Há renascimento após a dor, há renovação quando deixamos ir aquilo que não faz mais sentido. Quem chega ao ponto de desejar partir está procurando alívio.
A morte faz o trabalho dela, apenas recolhendo nossos corpos. Dizem que a passagem para o outro lado é rápida, acontece em instantes. Mas morrer, tanto por fora quanto por dentro, começa muito antes.